quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Coroa Vermelha




A terra estava ali, linda como sempre e cercada por um ar de eternidade.

O mar, o sol e o vento compunham a melodia que enternecia o olhar.

Eu sempre soube que a beleza jamais poderia ser possuída,

Mas, agora constatei que, como tal, esta só precisa estar ai,

Ao alcance do olhar e de olhos que saibam ver.



A beleza não é algo que se possa pegar ou possuir.

Uma coisa só é bela se sua integridade não pertencer a outrem.

A beleza transcende ao palpável, ao tangível e ao domínio dos homens.

Uma coisa só é bela se pertencer a todos não pertencendo a ninguém.



Andei por areias indígenas e toquei a natureza que seus pés tocaram antes.

É duro ser derradeiro onde um dia já se foi o primeiro.

Penso que nestas terras, brasis, ser índio é vestir-se da negação.


É humilhante não poder ser outra coisa além de mera paisagem.

Despatriado, desterrado e desaparecendo o índio desintegra-se. 


Visto que o que era seu, agora está possuído por não-índios.

O índio não sabe ser sem o seu mundo. 


Eles estão rareando aqui e ali, escondidos e em extinção.

A ânsia por suas terras faz do homem-branco, seu demônio, seu algoz.

Meus olhos viram índios vendendo bugingangas, esmolando e escutando pagode;

Pousando coloridos para fotos por dois reais,

Vendendo sua imagem para sobreviver.


Pois suas almas já foram vendidas há séculos.

Esse país é injusto: índios cobrando impostos para sobreviverem!

Sorveteiros pagando impostos a índios para sobreviverem. 


No Brasil meu senhor, é duro ser negro, ser pobre, ser nordestino,

Ser mulher, ser criança, ser deficiente físico, ser mestiço e ser índio.

Nesse país é duro ser. Apenas ser, subsistir.


Não-ser parece ser a forma mais adequada de existir.

A beleza está ai, mas paga-se para ver.

Paga-se caro para ver o que é nosso.

No céu, no mar e na terra.

Eles chegam aqui, põem uma cerca no que era livre e de todos e dizem:

Custa tanto para entrar e outro tanto para ver.

A desgraça do Brasil é o brasileiro.

Essa gente mestiça, sem pátria e sem coração.

Os que não vendem o país assistem em silêncio os que vendem.

Esse mal é antigo, mas em nós ganhou requinte de coisa peçonhenta.

Eles estavam lá, com tacapes na mão.

Quem estava lá?

Ninguém, ninguém além de Neo-capitalistas com vestes palha.

Peles vermelhas a procura de uma nota de um real.

Não fosse assim já teriam sido extintos para sempre.

Eles são vítimas da ORDEM E PROGRESSO,

De uma pátria sem coroa e sem coronárias.

A coroa é vermelha como a pele e como o sangue.

Porém, vermelha mesmo ficou minha face ao notar tal calamidade.

Dizem que o Porto é Seguro,

Mas seguro para quem?

Na terra do salve-se quem puder, seguro mesmo só de morte.

Las Casas até que tentou, no entanto, o mundo vergou a sanidade.

A beleza estava ali diante dos meus olhos,

Então eu pude entender o sentido da sentença teológica:

"A natureza geme aguardando a redenção dos filhos de Deus!"

E ainda a afirmação paulina,

"Miseráveis homens que somos!"

500 anos de Brasil e o lugar continua lindo,

Agora entendo porque a Coroa é vermelha.


É vermelha porque sangra pelas feridas ainda abertas.  


domingo, 10 de outubro de 2010

Morrendo à Luz





Por que borboletas morrem à luz de lâmpadas acesas?

É simples dizer,

Elas vivem a eterna busca da luz de fora do casulo.


Uma espécie de eterna imperfeição, se sabem incompletas.

Mesmo fora da escuridão que vestiam-nas, 


Seus instintos não se deram conta da saída.


Só busca a luz quem se sente em trevas. 

Borboletas padecem de um mal crônico,

Procuram a eterna luz que suas almas buscaram na transformação.


Se borboletas não têm consciência de si mesmas fora do casulo?

Penso que não, elas sequer sabem que foram feias lagartas um dia.

Talvez, seja o fato de não terem percepção de sua beleza,


Elas procuram a luz porque guardam em si o desejo do caminho percorrido para a liberdade.

Daí a eterna busca por sair do escuro casulo inconsciente.


Por que as borboletas morrem à luz?

Porque vivem a ânsia de nascerem sempre...


Renascerem...


Eclodirem, é a palavra que melhor expressa delas o latente.

Desse modo posso pensar que às vezes, 


A luz que nos transforma é a luz que nos mata.


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Caminhos Para Os Pés




Hoje eu acordei pensando a vida e me deparei com o silêncio.

Um som que vem da rua me dá asas para sair por ai alhures: o crepitar das folhas.

Ao fundo eu ouço o Divine tocar seu saxofone encantador: Due Season.

Divago em mim e meu mundo se torna ignoto.

Uma melodia se faz ouvir enquanto da vidraça estilhaçada recolho os cacos.

A minha alma parece ricochetear nas paredes dos meus sentimentos.

Como ondas do mar minhas emoções oscilam,

Ora estou forte, ora me sinto fraco.

Sinto-me gestando mundos desconhecidos.

Da angústia espero ver o broto de uma flor que vence o tempo.

Amo as flores quando vicejam nas manhãs de sóis brandos.

Algo em mim espera o raiar do dia.

Como será a luz depois da aurora?

O alvor do vento dissipa em mim a alma ansiosa.

E na estação apropriada eu descansarei a minha espera.

Eu sei que há um caminho à espera dos meus pés.

Às vezes eu penso que sou eu que faço os caminhos,

Entretanto, logo descubro que estes já estão feitos,

E assim, viver, para mim, se torna a simples façanha de encontrá-los.

Há caminhos entre as árvores, nos bosques.

Há caminhos nos desertos, na areia.

Há caminhos nas planícies, nos prados.

Há caminhos vivos e caminhos mortos.

Há caminhos no coração, no mar e no céu: nas estrelas.

Há caminhos que se cruzam e caminhos paralelos.

Há pés para todos os caminhos e caminhos para todos os pés. 

Há muitos descaminhos nesse mundo de meu Deus.

Eu estou aqui parado, numa encruzilhada.

Não me apavoro, pois quem me mandou esperar disse-me: “Eu sou o Caminho”.