segunda-feira, 25 de maio de 2009

VACIVU (Vazio)





Vacivu, no latim, é a palavra que define os espaços desocupados.
Para o poeta, vacivu é o vácuo: a ausência do amor.
É corpo sem afeto, vida que não faz parir o verso,
Verso que transcende a alma para além de si mesma.

Vacivu é o vazio: mundo sem objetos de amores.
É mundo oco de sentido e cores;
Cheio de nada,
Onde os olhos nada vêem, além dos limites no ato de existir.

Vacivu é sorrir sem afeto,
Abraçar sem carinho,
Perdoar sem ressignificação,
É beijo sem ternura na face que esconde o olhar.

Vacivu é fé sem desejo,
É céu onde Deus não é a espera mais anelante;
É destino sem escolhas,
É porão sem coisas que valham a pena guardar.

Vacivu é infância sem brinquedos,
São os sonhos roubados, é choro sem colo,
É estômago sem pão,
Vazio é o saber sem o: para quê?

Vacivu é inverno sem fogueiras,
Primavera sem flores,
Outono sem chão colorido ao pé das árvores,
É vento sem pipas no céu-azul empinadas sobre as lajes.

Vazio meu senhor,
É viver sem amor,
Viver sem amar e sem ser amado,
É viver sem a plenitude da presença de Deus.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O Cálice da Cruz




A cruz está posta sobre o monte,
O Cristo, feito carne, é vendido por trinta moedas,
Mercado livre onde a fé é exposta no varejo.
Sacrifício de uma vida, oferta aos homens.

O Cristo observa a tudo enquanto transporta o madeiro,
A Cruz não era Sua, mas minha, no entanto, a levou consigo.
Ela era nossa. Fomos nós que o penduramos ali.
Ele viu a maldade dos perversos e o silêncio dos “bons”.

Uma flor transportou o madeiro,
Semente sob a terra que germina a ressurreição,
Túmulo escuro, de pedra lavrada,
Lugar onde o Espírito faz a reconciliação entre Deus e os homens.

A Cruz estava posta sobre a terra,
O Cristo, feito divino, resgata os amigos,
Perdoa os inimigos e se torna ele mesmo, a síntese,
Céus e terra o habitam enquanto refaz o mundo.

O Cristo se fez pão partido por nós,
E nos devolve a vida roubada no jardim,
Cálice de um vinho tinto de sangue,
Vertido ali, na cruz, lavando as roturas existentes entre os céus e a terra.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Díades




As coisas foram postas no mundo em seus pares,
Díades perfeitas; mal necessário na tela da ternura,
Os opostos, dizem que se atraem,
Crendices de encontro de abraços não dados no tempo.

Tudo está numa antinomia atraente,
como perfumes que entorpecem a alma,
Antífona de um melodrama encenado no palco da vida,
Bem e mal,
Noite e dia,
Céu e terra,
Luz e trevas,
Amor e ódio,
Liberdade e escravidão,
Santo e profano,
Chuva e sol,
Palavra e silêncio.

A dor tem a sua díade: o andor meu senhor.
A díade de mim é meu espelho,
Nele eu me desloco para a eternidade.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Qaundo A Palavra Sangra




A palavra sangra quando o amor não amanhece,
quando rajadas de vento anunciam o inverno

da incompreensão,
ali, no lugar onde a névoa da malícia desfaz o abraço,

de braços afeitos;
afetos refeitos no outono de outrora,


desfeitos no frio do agora,

quando o cicio das horas


silencia o mar,


dasafia a canção da esperança,


e faz nascer o fio do medo

no solo do frágil inocente.

A palavra sangra quando o amor é apenas

lembrança dos atos dos desprezíveis,

e os olhos marejam silentes

a dor da aguda espada que traspassa a alma

ante o silêncio dos justos.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Aboios de Mim



Fui menino nas ruas de outrora,
Toquei canções na estrada que passava a boiada,
Aboios de uma alma ainda em construção,
Percutia em latas a força que ruía o silêncio rua afora.

Meninos cantarolam enquanto tecem a vida,
Vida que passa silente, sem pressa,
Vida que às vezes, caminha no passo do gado.
Fui menino na rua do sossego e nela senti o peso da espera.

Gravetos e latas soavam altissonantes nas mãos de futuros poetas,
Enquanto a alma eclodia em canções de amor e na vida que escorria entre Os dedos em dias frios de invernos infindos,
No tempo em que a ingazeira silenciosamente dava o seu fruto.

A música nascia em mim como afloram as raízes das nuvens,
Tudo em mim era poesia e a soma dos anos me robustecia.
Cantei a muitos poetas, melodias belas de quem sonha alto.
Decantei minha existência numa tênue forma de prosa e verso.

Não sou mais um menino, mas, o som das latas ainda ecoa em mim,
Os instrumentos mudaram e as melodias também,
Eu mudei, o mundo mudou, as pessoas mudaram,
Mas, a memória, esta sim, insiste em manter vivas as lembranças do que fui.

Hoje ainda habita em mim o garoto tocador de latas;
As ruas já não são mais as mesmas,
A boiada já não passa mais por aqui,
Mas, meus aboios meu senhor, ainda ecoam aqui e ali nas velhas estradas da minha alma.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

No Fundo



A pedra caiu no fundo do poço,
O espelho d’água franziu-se em ondas;
Os olhos que do fundo viam o olhar que avistava do alto,
Eram apenas reflexos de olhos postos
No fundo da alma que a água tranzia.

Um som se fez ouvir no fundo da escuridão;
Era um tom de pedra que salta para o ignoto,
Queda livre da boca do poço ao fundo das águas,
Solidão de águas cintilantes no abismo do poço sem fundo.

No fundo do olhar dava para ver o fundo da alma,
Que do fundo do medo via-se no espelho reluzindo o tempo;
Fagulhas de sonhos decantados na lama,
Limos e musgos de desejos no fundo das horas.

No fundo do meu eu habita um nômade,
Pedra lançada no fundo da esperança,
Poço de mim em olhares desertos,
Fontes que abrigo na calada da noite da minha dor.

No fundo, Deus e eu comemos o pão da alegria,
Poesia feita em prosa e em versos,
Reversos de fundo de quintais de ontem,
Reflexo de mim mesmo no espelho d’água da memória do poço em mim.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Pingos de Chuva




Uma gota de chuva escorre na folha lá fora,
Instante glorioso para o olhar que deseja os mares,
Um gesto, um suspiro, o silêncio e a não-palavra.

As aves embora pequenas, não temem os pingos de chuva,
Beija-flores não se apavoram quando sobrevoam o néctar,
Antes, afloram sua grandeza de aves que param no ar.

Odeio bodoques que moleques travessos transportam,
Pois, matam a vida e aviltam a beleza num jogo sórdido e lúdico,
Eles roubam da natureza a encantadora arte de ser.

Eu gosto mesmo é de visitar jardins floridos,
Tudo que me encanta está ali,
A vida, o verde, as borboletas, as abelhas e os versos.

Porém, o que me enternece mesmo, é o vôo ligeiro do beija-flor azul,
Este sim paralisa meu mundo enquanto vejo,
Torna-me absorto enquanto toca meu olhar saudoso.