sábado, 19 de junho de 2010

Mera Repetição



Tique-taque, tique-taque...

Mera repetição!

A vida é como o movimento do relógio.

Nela repetimos atos, fobias, anseios e alegrias.

Repetimos as coisas leves, sutis e pesadas.

O ciclo vicioso da vida expele seu aroma outra vez.


Tique-taque, tique-taque...

Parado ali, o ritmo da espera acorda a aurora.

O tempo é voraz, não espera por ninguém;

É como um trem que passa nos trilhos do olhar.

A lâmina corta na alma o tormento.

A dor se abriga entre juntas e medulas.


Tique-taque, tique-taque...

O adulto de hoje repete a criança de ontem.

Reedição? Certamente.

Coisas do inconsciente! Verdade intrínseca.

Reminiscências desveladas na anaminese do espelho.

Solfejo de ninar cantarolado em silêncio na penumbra do quarto.


Tique-taque, tique-taque...

Sisifo ainda está ali subindo a montanha: posso vê-lo daqui.

A pedra nunca pára no topo e a alma não se sabe sossego.

Tudo faz o seu giro no fulcro do anelo.

Mera repetição! É isso que é a vida, mera repetição!

Parece que não sabemos fazer diferente.


Tique-taque, tique-taque...

Os ventos, os rios e as gerações fazem os seus constantes circuitos.

Batida natural de coisas que não se cansam de andar em círculos.

Os homens são velhas melodias tocadas num eterno sofrer.

Nascem, vivem, morrem e mais nada.

A dança da vida inspira a dança devida na dúvida.


Tique-taque, tique-taque...

O sol dá o seu giro, mas amanhã estará aqui no mesmo horário.

Tudo gira; gira o mundo,

Nós giramos e gira a roda-gigante.

Sisifo ainda está ali, a pedra sempre lhe escapa das mãos.

Alguém ai fora pode me dizer o que é vórtice?


Tique-taque, tique-taque...

A alma gira em torno espírito,

O corpo gira em torno da alma,

O mundo circunda o corpo,

E este gira sem parar em torno do meu pequeno mundo.

Quanto a mim, gravito na órbita daquilo que em mim se sabe esperança, amor e poesia.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Poetas Fingem



O poeta é um fingidor...

Finge a dor nas palavras.

Atormenta-se com a dor de seus próprios fracassos.

O poeta é um fingidor...

Finge amor na dor que vem da vida e da morte.

Aquece a alma na fogueira do tempo.

O poeta finge a dor...

Dor do mundo e de si mesmo.

Os poetas e os atores comem na mesma cuia: fingem.

O poeta finge não sentir a dor que o atormenta.

Um poeta finge...

Simplesmente finge fingir.

Um poeta se esconde atrás das palavras.

As palavras fingem a dor.

A dor é fingida nos versos.

A dor finge o poeta...

Os versos dão à dor do poeta um tom.

Os poetas são como os outros homens que fingem.

Sou poeta e finjo.

Não finjo porque sou poeta,

Finjo porque sou como os outros homens.

Os homens fingem não serem poetas,

Fingem não sentir dor,

O amor paradoxalmente é certa forma de dor.

O poeta é uma dor que finge as palavras.

É dor de amor que vence a razão.

É razão que finge nas palavras o poeta que finge não sofrer.

A dor é um fingimento.

O poeta finge sentir, finge amar e finge estar vivo.

O poeta, a dor e o ato de fingir são fingimentos.

O poeta cinge a dor em si.

Todos sentem dor e fingem não serem poetas.

Nessa vida somos todos poetas.

Todos velamos a vida nas palavras.


Flor De Ir Embora



Alguma coisa em mim permanece irrequieta,

Seria a minha alma?

Respiração ofegante,

Uma névoa de tristeza,

Dessas que cobrem as estações de trens em madrugadas de invernos frios.

Um ar de nostalgia inquieta-me,

E meu coração sangrando, segue o passo do gado aquilatando o incompreensível.

E eu, sem saídas, nem sei dizer a razão.

Suspeito que o rebuliço da minha alma tenha a ver com as coisas da saudade, ou não.

Falo das coisas que a gente guarda no baú para ninguém ver: infância, família e inocência.

Decidi escrever porque a mente não consegue conduzir o meu corpo para outra atividade.

Refiro-me à letargia que a alma insatisfeita produz e provoca no corpo.

A alma é tirânica, egocêntrica e infantil, visto que exige a subserviência do corpo.

Não dialoga, não transige nem negocia.

Respiro fundo.

Suspiro profundo.

Vou ao fundo, bem fundo das coisas que quero negar.

Fujo das minhas buliçosas angústias.


A cortina azul da minha sala lembra-me o céu que daqui não posso ver.

Ausculto-me e nada escuto, e assim, discuto comigo mesmo: monólogo sem fim.

A guerra se instala em mim, entre Ego, Superego e Id: nada se resolve nesse triângulo assassínio.

Assentado ali, assento a poeira da refrega de ontem, olhando a rua.

Vejo-me menino correndo na chuva,

Ao léu, açoitado pelo vento,

Sem rumo,

Sem solidão ou máscaras,

De mãos dadas com a alegria, minha eterna companheira.


Numa manhã de chuva e sol,

Daquelas que a gente se sente criança de novo anafando-se de algazarras.

Imagino-me voando por ai,

Como um Ícaro ou sobre um pégaso afim de acordar a alva.

Pés descalços. Aliás, para que os pés se as asas nos libertam do chão?

Decanto-me num canto, posto num canteiro, como flor de ir embora.

Sigo a estrada que me leva de volta para casa.

A cidade está deserta e eu aqui, sou só areia.

As ruas destilam silêncio.

O meu olhar encontra o mar,

E o mar se faz amor.

Ternura de um olhar que quer a vida que se esconde do outro lado da flor.

A flor de ir embora.

E lá vou eu,

Alço vôo,

Atravesso nuvens,

Vou até os confins de mim mesmo.

Estrada que ruma para a eternidade de um sorriso singelo.



segunda-feira, 7 de junho de 2010

Vórtice



Uma larva se alimenta ali solitária.

Leva a vida que se impõe soberana.

A larva leva a leve brevidade de si.

Seu casulo é sua morada: crisálida.

Lepidoptera, efeito borboleta em mim no caos da existência.

Eu amo as borboletas quando voam.

Admiro as que batem as asas despedindo-se do medo.

A rubi, a azul e a coruja me arrancam sorrisos.

A monarca, a vice-rei e a africana soam-me supremas.

A púrpura é o alter-ego da Glória esplendor de si mesma.

A folha, a branca e a bicuda, ocupam em mim lugar no espaço.

A lagarta é lugar comum de todas elas, mas é na beleza que todas findam a vida.

Borboletas enfeitam jardins e estes não subsistem sem poemas que voam,

Sem poetas que dancem na chuva.

Os poetas são como as borboletas, tecem em silêncio o seu próprio destino.

O casulo dos poetas é a angústia, sua metamorfose finda em poemas belos de amor e exuberância.

A coronilha, a da praia como os poetas, metamorfoseiam no escuro, à luz de si mesmas,

Sob o manto do luar vêm-se suas asas douradas,

Ao sol que raia sobre as flores pousa a rosa-de-luto.

Na existência, nua e crua o poeta se sabe lagarta,

Parado ali,

Calado ali,

Mas, em seus versos sua dimensão borboleta acontece para a vida: bela e colorida.

As borboletas me encantam nas primaveras alegres do agreste sertão.

Delas, eu insisto quero apenas o vôo, a liberdade, a beleza e a inocência.

Uma borboleta, uma vida, uma larva: ressurreição.

Tudo nasce, morre e renasce em torno de uma existência casulo.


sexta-feira, 4 de junho de 2010

Sala-de-estar: Um lugar Para Esperar



Na parede a leveza descrita em tons multicores rabisca a tela do olhar.

A música que ecoa à janelas entreabertas fende a luz que traspassa o afeto.

O piano está ali junto às folhas de outono e a pele esboça o frio que eriça a cortina.

É de calda, mas as mãos percorrem os cílios que sombreiam o sol que fere a face.


Enquanto o pensamento vôa, a minha alma ganha a brisa leve sobre a flacidez dos sonhos.

Flechas agudas de um guerreiro solitário que sobrevive ao silêncio de noites infindas.

As horas não passam e os neutrinos em bando me atravessam a alma transparente.

Assentada ali a poesia eclode como erupção vulcânica que faz parir montanhas altivas.


Do que adiantam as horas se o que preciso mesmo é que o tempo pare?

Deveria existir um lugar onde a gente saísse do tempo para a eternidade.

Um lugar onde a história não acontecesse tórrida e pueril,

Onde mundos paralelos e perpendiculares obstassem à correria do tempo.


Envelhecer às vezes é ruim; deprime saber que sou finito.

Gosto da idéia de eternidade como um ´eterno agora´.

O véu do templo se rasgou, quem o percebeu?

Da ferida saiu sangue e água, quem observou?


Uma nota em Ré Menor, um tom e a aurora esboça a nostalgia.

Fins de tardes onde o desejo é menino cerelepe que corre em becos de velhas ruas.

Um calafrio transe o corpo que espera, espera e simplesmente espera.

O que espera o corpo senão o amor, o calor, o abraço e a compreensão?


Hoje o meu nome é SILÊNCIO: palavra roubada no poeta que sofre calado.

Por que sofre o poeta? Por ser pequeno demais para transportar o infinito.

Sinto-me só assentado no banco da praça de invernos chuvosos.

O que espero? Quem me dera saber a resposta.


Minha alma dói, meu espírito anestesiado padece da incerteza.

Certeza meu senhor, é como uma cereja num floco de neve.

Calo-me quando não sei dizer ou definir o que na verdade sinto.

Acho que existe outras formas de mortes que não são só aquelas que matam o corpo.


Sendo assim, suspeito já ter morrido várias vezes.

Somente a alma que ama pode ressuscitar muitas vezes.

Renasço a cada verso e morro a cada palavra escrita na poesia concreta.

Sou poeta velho, profeta de tempos vindouros, de ressurreições e esperanças.


Alguma coisa em mim diz que ainda haverá um amanhã.

O fato é que o piano ainda está ali na sala-de-estar e as mãos se aquecem do frio.

O cicio do vento esfria o chão e a lareira luta luscofosca aquecendo pão e vinho.

Daqui do meu lugar vejo a rua através do espelho que espera o retoque do olhar que verte a

última lágrima que transborda a dor.

Aos Teus Pés



Os meus pés fundiram-se aos teus na areia da praia.

O mar em mim revelou-se sombrio em bravios oceanos.

Se hoje sou deserto me faço flor na areia ao vento,

Pétala despetalada do pé e galho.

Onde estaria eu agora não fosse o teu amor?


Crescer me fez enxergar a vida e o mundo.

Poço sem fundo no sem fim de mim mesmo.

Meu mundo é poeira que esconde tesouros.

Mistério profundo em águas de ribeiros silentes.


Meus pés continuam ali, fundidos aos teus,

Assim, resgato o sentido da palavra: PAI.

O penúltimo que tive, ofuscou-me a visão e entenebreceu-me o olhar.

O Último que possuo é a mais doce razão de ser da minha frágil existência: opala.


A minha mãe nunca me levou à praia, à pisar na areia ou à tocar as ondas,

Porém, ela ensinou-me a te achar aonde quer que meus pés me guiassem.

Os meus pés sempre encontraram os teus.

Os meus pés nada são se não estão nas tuas pegadas.


Amo ser achado por ti quando me sinto perdido e só.

Perco-me em mim mesmo, desvendo-me e encontro-me em ti.

Pisei pedras e espinhos, caminhei sobre fogo de chão na terra do fogo,

deixei minhas pegadas pela senda da vida.


Por estradas mortas me fiz notar e de veredas antigas fiz-me distante.

Olhando para trás já não via as tuas pegadas,

Sinto-me só. Sozinho em mim!

Solidão do tipo que os meus pés sentem quando os teus não estão por perto.


Senhor, ainda estás ai?

Quero voltar à areia para ver as estrelas do chão onde recostamos a cabeça.

Podes me contar histórias novamente?

Não olhes para as mudanças do meu corpo envelhecido, o menino ainda mora aqui.


Quero sentir os teus pés maiores que os meus.

Quero que notes que te admiro ao perceber tua grandeza.

Quero que sintas o meu destino feito das estradas que rumam para o teu coração.

Quero simplesmente que notes que eu ainda estou aqui: uma eterna criança.


Quero perseguir a tua sombra,

Te contar segredos meus, vividos nas terras distantes,

Quero te dizer o quanto foi duro viver pródigo por ai.

Ensina-me o caminho de volta à inoscência.


Na estrada, longe de casa, vi pessoas que como eu, te amam,

Feridas, cansadas, mas que ainda preservam o brilho no olhar,

O sofrimento não foi capaz de apagar a lembrança da tua face terna.

Senhor, eu só desejo uma coisa e peço-te que não me negues: perdoa-me.


Os meus pés estão aqui grávidos de destinos,

Todavia, ampara-me os pés entre os teus dedos firmes.

Como um filhote de leão pisa as pegadas do pai,

Eu quero sentir as tuas, para possuir-te, pois eu quero ser como tu.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Balangue-dangues



Ontem fui menino pobre que vagava por ai absorto.

Chutei latas, brinquei com pneus velhos e bolinhas de gude.

A fome não foi capaz de deter a ânsia de vida e prazer.

A fumaça do tempo encobre as minhas lembranças,

Como um véu posto na face de quem deseja o oratório.

Sinto cheiro de outonos e dos invernos quero o silêncio.

Meninos pobres são assim: reinventam a vida a cada manhã.

Hoje sinto saudade dos meus irmãos: ligeiros corações alados.

Vejo-me descalço sobre a laje de casa: desnudo de orgulho

E vestido de aventura, alegria e um futuro incerto.

O futuro chegou e eu me dei conta que cresci.

Crescer é ruim.

Prefiro os balangue-dangues e empinar pipas por ai.

Esse mundo de trabalho e contas a pagar me enfada.

Tenho um cordão umbilical preso a partes do meu passado.

Sinto saudade de alguma coisa que paradoxalmente permanece em mim.

Como sentir saudade do que permanece comigo?

Não sei dizer, só sei sentir.

Sinto e não me culpo; apenas me dou ao direito de reviver.

Quero continuar criança, mesmo que o corpo resista.

Resisto a tudo que se chama espera.

Sou nascido de sete meses e vou bem, obrigado!

Parece que estou preso no tempo, na alma e na existência.

Sinto saudade da minha mãe e da minha querida irmã Mida.

Ali onde nos escondíamos em grutas feitas com a palma da mão.