sexta-feira, 4 de junho de 2010

Sala-de-estar: Um lugar Para Esperar



Na parede a leveza descrita em tons multicores rabisca a tela do olhar.

A música que ecoa à janelas entreabertas fende a luz que traspassa o afeto.

O piano está ali junto às folhas de outono e a pele esboça o frio que eriça a cortina.

É de calda, mas as mãos percorrem os cílios que sombreiam o sol que fere a face.


Enquanto o pensamento vôa, a minha alma ganha a brisa leve sobre a flacidez dos sonhos.

Flechas agudas de um guerreiro solitário que sobrevive ao silêncio de noites infindas.

As horas não passam e os neutrinos em bando me atravessam a alma transparente.

Assentada ali a poesia eclode como erupção vulcânica que faz parir montanhas altivas.


Do que adiantam as horas se o que preciso mesmo é que o tempo pare?

Deveria existir um lugar onde a gente saísse do tempo para a eternidade.

Um lugar onde a história não acontecesse tórrida e pueril,

Onde mundos paralelos e perpendiculares obstassem à correria do tempo.


Envelhecer às vezes é ruim; deprime saber que sou finito.

Gosto da idéia de eternidade como um ´eterno agora´.

O véu do templo se rasgou, quem o percebeu?

Da ferida saiu sangue e água, quem observou?


Uma nota em Ré Menor, um tom e a aurora esboça a nostalgia.

Fins de tardes onde o desejo é menino cerelepe que corre em becos de velhas ruas.

Um calafrio transe o corpo que espera, espera e simplesmente espera.

O que espera o corpo senão o amor, o calor, o abraço e a compreensão?


Hoje o meu nome é SILÊNCIO: palavra roubada no poeta que sofre calado.

Por que sofre o poeta? Por ser pequeno demais para transportar o infinito.

Sinto-me só assentado no banco da praça de invernos chuvosos.

O que espero? Quem me dera saber a resposta.


Minha alma dói, meu espírito anestesiado padece da incerteza.

Certeza meu senhor, é como uma cereja num floco de neve.

Calo-me quando não sei dizer ou definir o que na verdade sinto.

Acho que existe outras formas de mortes que não são só aquelas que matam o corpo.


Sendo assim, suspeito já ter morrido várias vezes.

Somente a alma que ama pode ressuscitar muitas vezes.

Renasço a cada verso e morro a cada palavra escrita na poesia concreta.

Sou poeta velho, profeta de tempos vindouros, de ressurreições e esperanças.


Alguma coisa em mim diz que ainda haverá um amanhã.

O fato é que o piano ainda está ali na sala-de-estar e as mãos se aquecem do frio.

O cicio do vento esfria o chão e a lareira luta luscofosca aquecendo pão e vinho.

Daqui do meu lugar vejo a rua através do espelho que espera o retoque do olhar que verte a

última lágrima que transborda a dor.

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