sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O Tempo




A nudez do tempo não constrange o meu olhar.

Sinto o frio do fio da espada traspassar o silêncio.

O tic tac do tempo como uma locomotiva afasta a calma na rudeza da espera.
Mas o relógio da parede segue a batida do coração.

As estações do ano param nas estações das velhas cidadelas,

Onde ao sabor das horas dita as batidas do coração o vento.

O fio da luz da lua é prata,

A luz que reflete os olhos é prata,

Como prata é a moeda que tilinta sobre a mesa entre moscas famintas.

O tempo não existe como forma e ser.

Quem mediu os seus passos?

Quem o viu sequer levado ao vento?

Quem o notou senão na sua própria insustentável leveza de ser?

O tempo é instantes dialéticos: fazimento, desfazimento e refazimento.

Mas o tempo é relatividade no amor ou na dor.

Somente no amor o tempo é pródigo, porque o amor não se sabe livre da imaginação.

O “ser-em-si” conhece o tempo entrincheirado na memória.

Todavia, o “ser-em-si” sabe-se dotado de transcendência: o inconsciente.

Para este o tempo nada é; mera distração.

É na alma meu senhor que o tempo externa-a-mente.

E nela percorre a vida que pulsa no anseio eterna-mente.

A alma mente, pois tempo não é uma realidade visível.

Claramente a luz se acende quando se aclara o que disse a Clara:

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa.

Não altera em nada...

Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas.

A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."

O tempo é uma faca fria que corta o fruto na estação apropriada.

Sigo vivendo simplesmente,

Sou criatura do tempo e de seu domínio só me restam as rugas.

Sou semente na poesia e somente mente quem diz que a mente é só feita de demência.

Vou viajando no mar de lembranças e desejos,

Vejo o mundo pelas clarabóias da esperança.

Até que tudo não passe de mera finitude.




quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Mera Tentativa



O que dizer se hoje só o silêncio reina no coração?

Nada a dizer. Nada que quebre a vidraça da não-palavra.

A aranha continua ali fazendo sua casa nova e temporária.

O som que vem da rua é o de um serrote distante.

Ouço o vozeio dos que chegam para mais um dia de labuta.

E eu, aguardo uma viva alma anelante falar-me de sua desventura.

O que dizer se hoje a palavra não eclode?

Nada dizer. Pensar tão somente. Simplesmente pensar.

Eu gosto de pensar, sobretudo quando o meu pensar pare poemas.

Os telefones hoje estão sossegados.

As mãos repousam sobre as teclas do computador

Enquanto os dedos seguem a intuição amanhecente.

Acorda em mim o desejo de dizer, mas a palavra não vem.

São vinte para as dez da manhã e absorto, me envolvo com agulha e linhas.

Na urdidura de verbos, artigos, substantivos, adjetivos, conjunções e preposições,

Vou apenas deslindando o que a alma nem sabe se vai dar certo.

O que dizer se hoje a palavra não me vem sequer de sobressalto?

A beleza de um poema está no encantamento que se dá no arrebatamento dos sentidos,

O poeta não vive sem esta experiência e o que passar disso é mera tentativa.

Receio que este poema não seja outra coisa além de uma mera tentativa.

Há poemas que submergem da alma, outros encontramos nas rosas,

Mas muitos deles, como este, tem que ser garimpado, escavado e no final,

Não sabemos se é uma confissão ou uma poesia natimorta.

De uma coisa eu estou certo, este texto evoca em mim o desejo de poetizar.

É isso mesmo! A aranha continua ali tecendo o seu novo mundo,

E daqui eu sigo as suas teias enquanto a palavra não acontece em forma de beleza.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Tudo é Beira




Ontem eu vi Suassuna cantando:

“... Ao redor do buraco, tudo é beira”.

Entre abismos é que a gente entende o que é a vida.

Os buracos existem, o que faltam, são as beiras.

Parte de mim se agarra ao que pode para sobreviver,

A outra, quer saltar no escuro, no espaço da felicidade.

Mergulho profundo no fosso do tempo.

O relógio marca 14:35 e minha alma pendurada nas encostas

Tece o fio que faz a noite desejada ancorar.

“Ao redor do buraco, tudo é beira”.

Daqui avisto os mares de mim de marés freqüentes.

Ah! Que bom sentir o aroma de amoras maduras.

Sinto o cheiro do inverno que já vem chegando.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Caminhando



Como me sinto hoje?

Não saberia dizer objetivamente.

Só sei que uma doce leveza me domina a alma.

Do tipo que faz flutuar as plumas.

Sou último fruto do pé onde somente as aves podem alcançar.

Sou ninho posto nos postes entre os fios que fiam as ruas.

Vou indo...

Não sei para onde, pois nem desejo chegar.

Nem sempre chegar é o mais importante.

Prefiro curtir a estrada e fazer o caminho caminhando.

A chuva molha o meu rosto.

Respingos de águas que regam a terra e a flor no campo.

O cheiro de terra molhada me faz vicejar com as flores.

O aroma de estrumes do gado, o balido das ovelhas,

E meu ser entrincheirado entre o amor e a morte.

Como me sinto hoje?

Que dia é hoje mesmo?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Valparaiso - Desejo conhecer-te


Neruda me ensinou a amar o seu país.

Lá eu nunca estive; ainda!

O mar de Valparaiso é mar de poetas poentes.

Amo dali o vinho tirado das parreiras novas,

Ai onde a eternidade conspira o afeto.


Quero a brisa suave das ruas frias

E das tabernas ouvir os versos de poemas feitos no escuro.

Minha negra pele emudece o vento que passando verte o amor.

A buzina do navio ecoa avisando a partida,

E do bonde o meu olhar contempla o céu tingido de uvas verdes.


O sol entreabre-se nas frestas de nuvens feitas para meninos fujões.

O amor encontra o poste e agarra-se à única luz possível na praça.

Lamparinas velhas de adegas que percorrem a brisa que leva o aroma dos sonhos.

Qual o perfume dos sonhos? Que cheiro tem?

Acho que os sonhos cheiram parecidos com os cheiros de casas de avós que amam.


Eu não tive avós; elas morreram antes da minha pequena vida.

Mas tive um único avô que bêbado beijava sapos e nos fazia rir.

Anísio era o seu nome. O único cheiro que remonta os sonhos atávicos

De um poeta velho que amava o mundo sem saber amar-se.

Meu avô e Neruda não possuem semelhança alguma senão a dos sonhos.


A brisa que sopra aqui é aquela que desejo que sopre sempre alhures.

Sou poeta comedor de tangerinas e faço da noite um lugar para amar.

Para que morrer se posso sentir aromas suaves de muitas vidas e sonhos?

Quero a brisa de Valparaiso.

Seu sol, seu mar, seu vinho.

Quero um cruzeiro no sul e do sul.

Quero a noite,

Quero o dia.

Quero as manhãs,

Quero o encontro de chuva e sol,

O amanhecer,

Quero quedar ai onde a saudade é mera saudade.

Ai mesmo, onde sentimos a saudade de sentir saudade.

Quero o entardecer e uma sopa quente com alcaparras.

Quero o sol quebrantado pelo frio,

Quero o queijo de bocapios distantes.

Quero andar de patinete só para sentir a leveza da brisa que vem do mar.

Valparaiso como eu gostaria de conhecer-te pessoalmente.

Eu te diria: olá sou eu o amigo de Neruda teu mais novel súdito.

Daqui da minha distância não dou a chance da demência me roubar a alegria.

Me sinto brisa,

Sou poesia,

Sou verso de adeus em terra de sequidão e estio.

Sou canção posta na pauta de quem sabe sussurrar melodias Caymmi.

Daqui do barco do meu desejo eu velejo só ao som do vento

Em mar que infindo morre em mim o medo de ser feliz.

Se Eu Amo?




Se eu amo?

É claro que amo...

Amo a vida, amo o verde, amo amar.

Amo o mar aberto onde oceanos traçam rumos nas correntes marinhas.

Amo a poesia dita em silêncio,

Amo a porta entreaberta na espera do trem que leva a dor para longe,

Amo a simplicidade,

Amo o sorriso ingênuo e puro,
Amo a lágrima que rola a palavra nao dita.


Se eu amo?

É claro que amo!

Eu não saberia a vida sem amor.

Amor de mãe é amor que ensina amar.

Se eu sei amar, só o sei nesse e por esse amor.

O amor dona, é como esquilo ligeiro que se escamoteia entre as folhagens.

É olhar de menino tímido que foge enquanto deseja ficar.
O amor é plumagem macia,
É pele tocada na aceitação irrestrita.


Se eu amo?

É claro que amo!

O que seria de mim não fosse essa possibilidade?

Amo do meu modo.
Amo no meu mundo,
Amo no meu medo,

Do modo que amam os colibris.

Amo a cria,

O dia,

A noite,

O silêncio,
A chuva,
O horizonte,

Amo sim...

Quem disse que não amo?

Se amar é a única coisa que justifica a minha existência

Nessa tola inexistência de ritos, códigos, símbolos e velas acesas.

Se eu amo?

Amo e como amo...

Amo até demais...
Amo o amanhã – mera incerteza.

Amo o ontem – doce ilusão.

Amo o agora – tórrido tormento.

Amo saber que Deus é amor e que no final tudo se fundirá e findará Nele.

Se amo, já não preciso explicar-me.

Pois no amor o silêncio é a palavra que cala a angústia.

No amor se expurga a culpa, o ódio e verdade grávida mentira.
Amo, porque amor é ato puro,
Amo mesmo quando penso que nao amo.
Insisto em amar,
Resisto amando,
Amando sobrevivo.


O amor meu Senhor é isso mesmo:
Um beijo roubado no rosto sujo de lama.

Sol Do Teu Olhar




Se o sol vem hoje?

Eu já não sei mais nada sobre os astros.

Minha alma alada destila favos de mel na rota dos cometas.

As nuvens estão aí, imponentes e alvas como algodão-doce.

O olhar é bandido às vezes, sabe roubar a pétala sem matar a flor.


Ontem foi um dia calmo, o alfinete esbarrou no dedal sem dor.

Daqui da minha janela vou tecendo à agulha e linha a minha história.

Sabiás pousam nas laranjeiras, ali onde a terra molhada é desejo.


Se o sol vem hoje ainda?

Não sei dizer; a chuva meu senhor é de verão,

Mas as águas são de março.


Não importa se o sol não vem,

A alma também precisa da noite, da neblina e da escuridão.

A alma é afeita ao céu nublado, quando o amor renasce ou fenece.


O amor é como flor de jardins selvagens,

É preciso um pouco de tudo:

Do sol, da noite,

Dos raios solares e dos outros raios,

Do ar, da brisa leve,

Da quietude e das sombras,

Do silêncio, da ternura e da calmaria,


Mas acima de tudo ela precisa

Do olhar que se encanta porque simplesmente ama.


Se o sol vem hoje?

Não sei dizer.

Do que importa o sol se teu olhar Senhor é a única luz que me aquece agora?

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Como Nasce A Poesia?



Nao sei explicar como nasce a poesia.
Ela simplesmente eclode.
Fomentada por uma palavra,
Um gesto,
Um sentimento,
A inspiraçao desperta-se;
Ao despertar, nos arrebata inapelavelmente,
Nos cativa,
Nos obriga,
Assim, desse modo, o poeta é um escravo do inesperado.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Cogito


Hoje respingos da chuva caíam no olhar de quem amanheceu com a aurora.

Aspersão sob a brisa fresca que vinha do mar e torneava a face anelante.

Minha alma teima em amar o mundo, esse sem fim que no fundo finda.

Grutas abertas para pés curiosos desvendarem o amor, a beleza e a vida.


Há dias que são apenas quietude,

Estes, gestam as horas medonhas do amanhã,

Enquanto desvelam o novelo de fios que se enrolam multicor.

Temo o amanhã quando não se há esperança.

Temo manhãs sem sois e sem sombras.

Temo as manhas de homens subreptícios: sub-homens.

Temo não haver amanhã, nem manhãs e amanhã,

Só as manhas dos encantadores de serpentes.


Se sou vento, sou ligeiro,

Se sou mar, habito o mundo,

Se nada sou, logo existo!

Pensar já não é mais a condição da minha existência.

Existo onde não penso,

Cogito onde sou apenas silêncio e expressão.

Morte e Resistência


Eu vou trocar o luto pela luta.

A morte é parte da vida, embora sua face seja tenebrosa.

Ela não respeita idade, status, classe ou personalidade.

Todos sabem que existe e que virá a seu tempo,

Todavia, na mesma medida, todos a resistem com a fúria de um titã.

Há muitas formas de mortes nesta vida.

Existe a morte do amor que se rompeu no último abraço,

A do amigo que se deu à traição sem causas aparentes.

Há a morte que a inveja precipita e a que o ciúme acorda.


Morremos todos os dias e sequer nos importamos: envelhecemos!

Temo a morte sem despedidas.

Temo-a sem luto.

Aliás, o que seria da morte sem o luto?

Só faz o luto quem sente saudade.

Luto é dor dos que amam!

Não há luto se não há amor nem respeito.

Fazemos o luto do que consideramos perda ou perdido: perdemos.

Se não há sentimento de perda, não há luto nem canção de despedida.

O luto é o anúncio de que alguém muito estimado se foi.

O luto de certo modo é sinônimo de que eu morri com o objeto amado.

Luto é silêncio temporário de quem sente a dor do amor ou do ser amado que partiu.

Quem partiu não sabe a dor!

Quem não ama não sabe a dor!

Luto é luta de quem na lida não aceita ficar só nem para trás.


Eu já vivi muitos lutos.

Já morri muitas vezes e sequer soube se alguém verteu uma lágrima.

O meu luto me levou à luta: eu luto contra o que o luto fez em mim.

Nesta vida, para algumas pessoas o luto é símbolo de ir à luta.

Cedo se descobre que os mortos nada podem fazer.

Não temo a morte física, pois esta é apenas parte da vida frugal.

Temo sim, as mortes diárias que vestem a alma de angústias.

Mães que perdem seus filhos para traficantes.

Pais que se afogam no fracasso da formação de seus filhos.

A descoberta de que tudo o que fizemos deu em nada ou em muito pouco.


Temo o luto de uma religiosidade sem conteúdos e sem fé.

Temo o luto de sonhos morridos no caminho e de não haver caminhos.

Hoje para mim, meu senhor, eu luto.

Quero transformar o luto em minha luta.

Quero continuar crendo em Deus a despeito de tudo e das sepulturas abertas,

Pois hoje vivo a única vida que me é possível,

Onde viver é Cristo e morrer é lucro.

O luto de hoje é prenúncio da ressurreição de amanhã.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Às Vezes




Às vezes me sinto uma águia e percorro as alturas com o meu ser alado.

Em silêncio mergulho a profundidade do azul do céu da minha alma,

Faço-me adejar sobre as fendas das montanhas caladas no horizonte.

Ao lado de minha dormência afetiva vejo o sol bruxoleando e viajo.

Sua luz me ilumina o olhar que quer calar a dor de dias idos e sombrios.
Demência de quem não pode esquecer a beleza que mora na memória.

Às vezes me sinto diminuto num cocorejar constante no quintal da vida,

Minha visão, uma das que tenho, determina os meus limites entre muros e abismos.

Sinto que sou maior do quê o que se me parece.

Sinto a vastidão do meu ser esmagado por minha dimensão galinha.

A águia em mim quer o mundo, o eterno, o infindo e o distante,

A galinha em mim quer o agora, o aqui, os pequenos espaços de coisas repetidas,

Rotinas postas em fogo à lenha de dias calmos e frios.


Às vezes não sei definir o que em mim prevalece,

O fato é que estas aves teimam em habitar a alma de um menino sonhador,

elas habitam as almas dos homens em todo lugar: as de rapina e as de cocorejo.


Mera distração de vidas que passam entre abismos,

Quimeras de seres inconscientemente tragados,

Irremediavelmente feridos pela ambigüidade,

Eterna desventura de pessoas que se sabem honestas,

Às vezes.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Chá das Cinco




Adoro tomar o chá das cinco,
A razão disso? Não saberia dizer.
A Inglaterra me ensinou a sorvê-los todos.
Enquanto o nariz queimava à fumaça quente do sache.

Das flores surgem os chás mais doces,
O olhar divaga sob o solstício que eterniza o dia.
A alma procura o que sabe não possuir,
E a terra equilibra-se entre as estações.

Logo ali, o trem cavalga sobre linhas férreas,
Rumando sobre raios a locomotiva segue em direção ao sol.
Um gole, uma baforada entre aromas diversos,
E da janela a rua fria grita a solidão de anões nos jardins.

Minha alma é afeita aos sabores diversos,
Paladar que me encanta e quebranta os olhos
Que vêem entre a fumaça e os lábios quentes
Uma luz no fim da lua que demora de chegar.

As xícaras sobre pires respingados de sacarose,
Dão forma e charme às mãos que sustentam mundos,
O amor é dragado no silêncio, enquanto o bule, bole e morna
Em si a esperança de mais uma aventura.

Adoro os chás das cinco: estes me lembram saudade!
Eu já vivi longe demais para senti-la. A saudade meu senhor, é dor da alma querente!Depois de bebidos os chás na solidão, se avizinham formigas e abelhas afim de sugarem o mel da doçura que restou ás cinco e dez.