Ontem fui menino pobre que vagava por ai absorto.
Chutei latas, brinquei com pneus velhos e bolinhas de gude.
A fome não foi capaz de deter a ânsia de vida e prazer.
A fumaça do tempo encobre as minhas lembranças,
Como um véu posto na face de quem deseja o oratório.
Sinto cheiro de outonos e dos invernos quero o silêncio.
Meninos pobres são assim: reinventam a vida a cada manhã.
Hoje sinto saudade dos meus irmãos: ligeiros corações alados.
Vejo-me descalço sobre a laje de casa: desnudo de orgulho
E vestido de aventura, alegria e um futuro incerto.
O futuro chegou e eu me dei conta que cresci.
Crescer é ruim.
Prefiro os balangue-dangues e empinar pipas por ai.
Esse mundo de trabalho e contas a pagar me enfada.
Tenho um cordão umbilical preso a partes do meu passado.
Sinto saudade de alguma coisa que paradoxalmente permanece em mim.
Como sentir saudade do que permanece comigo?
Não sei dizer, só sei sentir.
Sinto e não me culpo; apenas me dou ao direito de reviver.
Quero continuar criança, mesmo que o corpo resista.
Resisto a tudo que se chama espera.
Sou nascido de sete meses e vou bem, obrigado!
Parece que estou preso no tempo, na alma e na existência.
Sinto saudade da minha mãe e da minha querida irmã Mida.
Ali onde nos escondíamos em grutas feitas com a palma da mão.
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