quinta-feira, 26 de março de 2009

Amizade






Quando um amigo se vai, vão-se os anos,
Com ele vai uma história,
Despede-se a afinidade,
Quebra-se a taça da cumplicidade,
A solidão veste o corpo solitário.

Quando um amigo se vai, fica a tristeza,
Reina a saudade, e o silêncio grassa o olhar,
A distância torna-se fel bebido em taça de cristal,
Vai-se o abraço sincero e já não se pode segredar
Mais nada que faça sentido.

Quando um amigo se vai o que resta é ainda sonho,
Esperança de um dia restaurar a vidraça que se partiu,
Ruínas de um amor de irmãos construído a ferro e fogo;
Quando um amigo se vai, vai-se um irmão,
E para quem fica só resta a sicuta.


sexta-feira, 20 de março de 2009

Fauna e Flora

A flora e a fauna são universos paralelos de beleza sem igual,
O que seria dos homens caso não pudessem percebê-los?
O que seria de mim no meu tíbio e pequeno universo?
Amo as árvores, as flores e as alimárias do campo,
Nesse bojo o único bicho que me ameaça mesmo é o bicho homem.

Minha relação com a flora é pacífica, romanesca e contemplativa,
Mas a fauna impõe limites indizíveis.
Já enfrentei ursos, leões, lobos e gigantes,
Mas a traição do rei: o bicho homem deixa marcas mais profundas.

Lidei com suínos, raposas e gambás,
Mas as bromélias me encantam mais e a flor de lis me possui o desejo.
Labutei com Macacos trapezistas, morei no ventre do peixe,
Porém, nada se compara a azafama de colibris nas campinas do Prata.

O copo-de-leite, das flores é a mais tenra, enquanto beija-flores adejam seu néctar,
Golfinhos me dilatam o olhar que paralisa os sonhos,
No entanto, folhas nevadas me enternecem a alma.
Lindo mesmo são os coalas, o bicho preguiça e os cangurus,
Mas nada se compara à pantera negra com seus olhos que abrigam o sol.

Amo as panteras porque vestem o veludo da noite,
O tigre de Bengala é da Índia, a jaguatirica é da serra,
A onça é pintada, o leopardo é pardo, mas a pantera!
Esta sim, cor de rosa ou não, é demais!

Eu nunca estive perto de uma pantera negra,
Nunca a toquei nem com os olhos,
Entretanto, sei que se a mim for dada esta possibilidade,
Não pouparei o afeto, tampouco o cuidado,
Pois felinos se entendem quando amam.

Sou flor de pele negra na flora da vida,
E da fauna sou apenas um panda a espera da estação das flores e frutos.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Porto da Barra



O mar estava azul e meus olhos marejavam a ternura do céu,
Pequenos barcos flutuando nas águas coloriam a tela de um branco amor,
Sombreiros multicores faziam a beleza ganhar tom e magia,
A areia da praia dava aos pés um conforto como o da eternidade,
Enquanto a alma grávida do sol dilatava ao vento seu afeto.

O Porto da Barra é como canto de taberna onde os homens aninham os sonhos,
O cais envelhecido pelo tempo, pedras lavradas pela face do oceano que teima,
Em inscrever suas marcas em suas paredes corroídas,
O brilho límpido do reflexo do sol na face das águas
Dá ao mar a vida que semeia desejos, aos olhos dos que velejam no tempo.

As pessoas deslizam nas horas,
Uma doce voz se ouve ao longe cantar canções Do Venturini,
A pele súplice sente o rigor do sol que morena e embeleza o dia,
E a alma sente o perfume que o mar insiste em trazer de outros mares,
Marés de ontem, de dias ternos de uma infância longínqua.

Vi minhas pequenas correndo na areia enquanto eu adejava na minha própria infância,
Sonhos de outras areias deixadas para trás,
Elas corriam, mas quem voava era eu,
Ali entre o céu e o mar no porto da minha saudade.

sexta-feira, 13 de março de 2009

O trem que partiu-me


O trem da saudade partiu às 4h da tarde,
O sol ainda quebrava o seu olhar amarelo de menino pidão,
Com o trem partiram meus sonhos,
Com o sol ficou o meu desejo.

O sol partiu às 6h da tarde e com ele partiu a luz,
Ficou a névoa que trazia a noite sobre meus olhos molhados,
Ficaram meus pés ali parados,
Meus olhos ainda viam a fumaça que o trem deixou para trás.

Molhados,
Meus sonhos seguiram a luz,
A fumaça nublou minha alma,
Enquanto eu parti em silêncio para o meu ocaso.

Sem luz,
Sob neblina intensa,
Meu mundo se fez nostalgia na terra que somente a lua podia iluminar,
Tédio de uma alma que partiu com o sol,
Que seguiu o trem em seu destino.

Enquanto viajo,
Faço da noite a minha morada,
Um manto que verte o alvo tom da ternura
Na rua escura da solidão,
Na penumbra da saudade.

Estação de mim de invernos frios,
Trilhos de mim de luares prateados,
Silhueta de corpo que anda entre estrelas,
A fumaça e a esperança de outros sóis.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Fomento


“A palavra que eclode em mim é fomento do espírito,
O espírito que eclode em mim é fomento do Espírito,
O Espírito que eclode em mim é fUNDAMENTO do Eterno;
O Eterno que eclode em mim é o que sustenta em mim,
O ser,
O amor,
A Palavra
E indubitavelmente, o não-ser.”

A Alegria



“A alegria é como uma flor que nasce no campo,
Tenra,
Faceira,
Silente,
Destila ali sua exuberância numinosa,
Seu perfume acalenta espíritos,
Sua beleza enternece a alma,
Que mergulha na vacuidade da existência,
A alegria é vida em forma de flor”.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Quando a poesia é apenas dor


Sinto vontade de escrever mas nao sei sobre o quê.
A poesia nasce em nós como dor,
Desejo que se cala e rouba a palavra.

Então decidi escrever sobre nada,
Nada que faça sentido,
Decidi sentir, uma vez que a palavra foi roubada na dor.

O silêncio doi pois a alma está grávida da poesia,
As mãos nao encontram o destino da idéia mestra,
A mente apenas sente o esplendor do espírito que pare o verso.

quinta-feira, 5 de março de 2009

O Pai Nosso e o Pau-de-sebo



A infância salta aos olhos quando a alma precisa de refúgio.
Dessa vez minha alma foi longe, muito longe,
Ao lugar onde o sol se esconde quando não quer ser visto,
Onde a timidez da sua luz dá vez e voz à lua que pare o luar.

Vi-me menino, e vi o tempo brincando ao redor de corpos esguios,
Enquanto o vento vestia nossos lânguidos sorrisos de um tom de ternura;
Meus irmãos e eu, peças soltas no quebra-cabeça da vida,
Existência frágil de flores que nascem à beira da estrada.

Naquele tempo a fome parecia perseguir-nos,
A pobreza fazia careta, enquanto o estômago gemia a prece silenciosa:
‘O pão nosso de cada dia nos dá hoje’,
E a alma franzida de meninos que não sabiam dizer a oração do Pai Nosso,
Dava-se à sobrevivência da oração que em nós se dizia: “livrai-nos do mal”.

O mal não resistia à prece nem à pressa daqueles meninos,
O “Pai Nosso” sempre do céu, santificava o seu nome na nossa lida,
Pois víamos o seu “reino” vir a nós de formas diversas,
E assim, Ele não nos “deixava cair em tentação”.

Um simples pau-de-sebo foi o bastante para que “fosse feita a Sua vontade”.

No nordeste, pau-de-sebo é brincadeira de criança,
A rua fica em festa, a praça se ilumina de amor e alegria,
Enquanto cravado no chão, um madeiro cheio de sebo e gordura
Com presentes no topo bem alto desafia os mais audaciosos,
Ou, como descobri naquele dia, os mais carentes.

Todos tentavam à sua vez subir para pegar os presentes,
Mas seus corpos deslizavam à medida que subiam sem sucesso,
Naquele dia, eu me lembro, havia macarrão, balas, carne,
Coisas que meninos pobres não conseguem sem escorregar muitas vezes.

Eu vibrava a cada queda, a cada escorregão porque tudo era muito belo,
Até que meu irmão mais velho decidiu matar a nossa fome.
Admirado com sua coragem comecei a orar: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”.
A alegria tornou-se angústia enquanto eu dizia: “não o deixe cair”.
Era o modo estranho de orar em forma de vida e necessidade.

Meu irmão passou terra molhada no corpo,
lama contra sebo,
Atrito que gera realização de sonho.
Ele subia cada centímetro enquanto eu dizia: "teu é o poder".

Agora todos o viam lá no alto,
Meu irmão mais perto de Deus e da comida,
Pau-de-sebo vencido,
Ele tocou os presentes, o que lhe assegurava possessão,
Seu corpo cansado, movido por graça,
Dali, vendo-o no alto do madeiro eu dizia a Deus: “tua é a glória e a força”.

Todos o viam descer sorridente,
ressureição de um corpo morto de cansaço,
sua mãe celebraria seu ato de amor,
seus irmãos comeriam do suor do seu rosto,
seu corpo esqueceria para sempre o que agora recordo.

Ainda me lembro desse dia,
Dia no qual o “Pai Nosso que está nos céus”,
Ensinou-me que Ele é quem santifica as nossas vidas
Para que “seja feita a Sua vontade” mesmo através de um pau-de-sebo.



quarta-feira, 4 de março de 2009

Novelos de lã



Parada ali aquela senhora parece sonhar,
Seus pés cercados de novelos de lãs coloridas,
Sequer tocam o chão, pois seu corpo flutua,
Sua mente absorta,
Habilita as mãos que constroem mundos.

A canção que cantarola nina a alma combalida dos anos,
Enquanto seus olhos não perdem o ponto.
Isso mesmo, ponto a ponto.
Tricoteia, respira e sutilmente vê seu sonho virar realidade;
A cada passo veloz; pequenos gestos de pontos e nós.

Para, pensa, ressona, boceja e volta ao compasso do amor,
Os fios se cruzam e a alma cala os destinos contidos no olhar.
Mesas postas nos desertos da existência,
Terra sem fim de um espírito que adeja,
Enquanto as mãos cansadas trançam desejos.

As horas passam,
Os olhos pesam à sombra vespertina,
E o passado é fardo que a pele transporta,
A espinha sente o frio dos dias frios de velhas angústias
Enquanto as linhas felpudas de cores vívidas do tempo tecem a tela da vida.