A vida é um caminho que esconde abismos.
A gente nunca sabe onde eles estão e porque.
Há abismos entre o céu e a terra,
Há outros nos mares,
O ser é abismo como abissal é o silêncio.
Mas, estes, não são mais profundos que os do coração.
Os meus abismos são profundos demais para explicar.
Crateras se abrem entre o olhar e os sonhos.
O tempo é abismo,
O medo também o é.
Infindos são os dias e a fé é ponte entre abismos.
Eu queria ser fleumático, para não sofrer tanto ante os contrastes,
Porém, isto é íngreme o bastante para mim,
E os meus pés escorregam para um poço sem fundo.
Desejei ser colérico, para afoito me lançar sobre tudo e todos,
No entanto, a minha alma rejeitou friamente tal façanha.
Não sei ser outra coisa senão uma doce mistura;
Em mim transporto a fusão,
Sou portador de dois mundos,
Universos paralelos que me habitam o ser.
O sanguíneo em mim habita as estrelas e me faz voar por ai,
O melancólico em mim esconde-me em cavernas e grutas da
Alma, enquanto verto na face lágrimas.
Esmurro-me e venço-me às vezes,
Mas, quando me dou conta, vejo-me andando em voltas,
No circuito de mim mesmo.
Serei o único nessa desventura?
Se não me basto, do que importa os outros?
Quando criança eu queria ser aviador ou fuzileiro,
Não tornei-me nenhum nem outro,
Fiquei no meio do caminho cuidando das almas,
Sou pastor de ovelhas e lido com rebanhos.
Todo pastor é poeta por ser sensível.
Sua alma migra para o além sem desprezar as coisas de aquém.
Todo poeta é pastor de sua própria alma,
É cantor de suas próprias intrigas.
Pastor das idéias e das palavras,
Porque lida com o cuidado das duas coisas.
Eu queria ser só sanguíneo,
Pois, tocaria os meus dias solfejando alegres cantos,
No entanto, minha melancolia despedaça as partituras;
Encosta meus instrumentos de melodias infindas,
E no juazeiro a beira da estrada pendura a minha viola.
Essa é a minha ambiguidade,
Dialética em mim, que nasce, morre e renasce todos os dias.
Eu queria ser diferente, meu senhor,
Mas, a raiz de mim é híbrida e plantada em chão profundo.
Aos que me amam rogo paciência,
Aos que toleram não rogo nada: apenas sou eu mesmo, como sou.
Vou indo para o porto desejado: espera que nunca acaba.
Cindido,
Sem resposta,
Apenas fazendo o caminho caminhando.
Tentando alegrar a outros como eu,
O quais vivem fendidos,
Entre abismos, na bifurcação de si mesmos.
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