O relógio na parede indica que já é noite,
São dezenove horas,
Entretanto, o sol insiste em esconder as estrelas.
O trem partiu e sua buzina ainda ecoa aos meus tímpanos.
Ela sempre está viçosa,
A Vila Vila Nova de Gaia,
Estação de tom amarelo,
Daquele que somente as carambolas têm quando maduras.
Parada ali, sua face aberta para a Rua Visconde das Devesas.
Minha alma refestela-se no Cantinho,
Um restaurante na altura onde os pés querem descanso.
O número? 84.
Sinto-me absorto;
Não sei definir o que espero.
Não espero! Simplesmente vou indo ao vento,
Um frescor que varre as ruas, enquanto areja minha alma.
Sigo com o trem que partiu,
Deixando o meu corpo na última estação,
Na cozinha, Dona Raquel prepara a ceia;
O Sr. José Manoel refresca-se à sombra, enquanto sua miuda desperta.
Por estas terras amizade tem um preço,
Qualquer rosto que sorri é pátria.
Mitigamos prosas leves à roda do altar da solidão.
A donos de bares, restaurantes e balcões de lojas eu vou me fazendo notar.
Como já disse: ´por aqui amizade tem um preço´.
A poesia é assim, às vezes se faz prosa em beira de estrada.
O poeta é um carente do fascínio da vida e das coisas simples.
Há poesias que nascem à beira do fogo,
Outras eclodem quando não há papéis nem lápis.
É isso mesmo, às vezes poesia é prosa que dá saudade,
Uma prosa solitária à cem metros da estação de trens que partem
E transportam almas, deixando corpos exauridos para trás.
O Cantinho tem sabor de Brasil,
Fala ´difrente´ e ´pois, pois´.
Mas que importa, se os José daqui e são como os Zé de lá?
A minha alma é universal,
Sou cidadão do mundo.
De qual mundo?
O mundo da minha solitude, aberto a todos os Zé do mundo.
O meu mundo é um mundo pequeno na órbita de outros pequenos mundos.
Estou aqui, no cantinho do meu coração,
sorvendo a paz que pode-se encontrar no Cantinho.
A poesia que nasce em mim é alantejana,
Percorre o D´ouro,
e ancora no Porto.
Quanto a mim, vou seguindo em silêncio a minha alma,
Assim, vou escrevendo com caneta e papel,
No trem que a transporta para o infinito,
Enquanto o meu corpo recosta-se à espera da vitela estufada.
Isso sim, é um poema para não esquecer.
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