domingo, 30 de outubro de 2011

Apenas Um Poema!


A mente é como uma sala cheia de arquivos.
Em mim os arquivos guardam coisas velhas e novas.
Há espaços de lucidez, onde a luz é luar.
Outras são à meia luz, quebranto da claridade que é teima.
Mas os arquivos mortos moram as trevas mais densas.
Coisas adormecidas que na alma divagam à minha órbita.
Os pensamentos viajam como um cometa por espaços vazios.
O que anseia a alma quando o corpo quer jardins?
É entre as flores que meu ser, zumbindo, suga o néctar.
No fim de um corredor escuro e empoeirado há uma porta.
Se aberta para onde levará?
Asilado em meus sonhos, sou quietude.
Exilado em meu mundo, sou pulsão de amores que não se nomeiam.
Em meu exílio sou a falência da razão que se emudece ante o caos.
Meu inconsciente é mundo cavernoso onde a única luz é a escuridão.   
Nele habitam as verdades que já não suporto.
Cadernos da vida com rabiscos escritos em vermelho sangue.
A cor da dor é o vermelho e a da morte, uma insólita negrura.
O que quero lembrar mora em mim como imagem ainda viva.
O que preciso lembrar se esconde entre gretas de meus abismos interiores.
Às vezes, esquecer é a melhor defesa.
Gosto de lembrar quando o objeto amado ainda é encanto para os meus olhos.
Não tenho memória de elefante, mas ainda lembro as melodias do adeus.
Toada de quem toca a boiada na estrada empoeirada do sertão.
Em minha alma sou vaqueiro quando encosta o cavalo sob a sombra do umbuzeiro.
Minhas recordações recordam ações minhas.
Para onde vão os pensamentos quando voam por ai?
Como e onde eles nascem? Sabe Deus!
O pensamento é embrião da palavra.
A palavra pare o verso.
O verso se reveste de ternura, é bebê recém nascido acolhido por alguém.
Amo a palavra quando cala o ódio e o rancor.
“Há coisas que melhor se dizem calando”, disse Machado de Assis.
Quero escrever poemas que calem o ódio.
Silencie a amargura.
Que faça claudicar a arrogância.
Quero falar das flores,
Dos sonhos,
Da vida e do nascer de sóis dourados e belos.
Assis tinha razão,
“Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno”.
Quero ser jardineiro onde as flores são versos coloridos.
Quero eternizar-me onde o amor é a mais profusa colheita.
Quero plantar jardins.
De onde vem esse sentimento?
Não sei! Talvez dos meus arquivos mortos, vivos.
Redivivos.
A minha poesia eclode do quarto escuro no fim do corredor.
Latência de um poeta que existe onde não pensa.
Pensa onde não toca,
E toca no escuro a canção mais bela.
Toadas minhas de manhãs de outonos.


sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Um Poema chamado Silêncio!


O silêncio é a pedra de toque da minha alma.
Às vezes, o silêncio é a única expressão a ser pronunciada.
Um verso dito, quando se calam os verbos.
Uma pausa no som que ecoa ao entorno e o eterno.
Vórtice da palavra esmagada na fenda do tempo.
Porta que se abre para a escuta de mim mesmo.
Para que a palavra se dizê-la não é mais necessário?
Daqui se pode ouvir a cigarra.
Ecos de mim que viajam ao vento.
O silêncio é agudo como espada afiada na pedra do desejo.
Poucas coisas merecem a minha não-palavra.
Não terei que pedir desculpas pelo silêncio,
Quando abismado me posto ante seus mistérios.
O nascer de uma criança.
O eclodir de um pensamento!
O brotar de uma flor.
O cair das pétalas.
No silêncio, os segredos do divino sacralizam o encontro,
O perdão é concedido ao orante.
As lágrimas são a oração mais suplicante.
O silêncio em mim é transcendência, doce espiritualidade. 
Calo-me ao pôr-do-sol.
Quedo-me silente ante a beleza que cristaliza o olhar.
Amo o silêncio quando preserva minha subjetividade.
É em silêncio que escuto os ruídos que habitam em mim.
Às vezes, o silêncio é afeto, outras vezes, brutalidade.
Dê-me o silencio quando a palavra estiver grávida de morte.
Dê-me a palavra quando o silêncio for oceano intransponível.
O silêncio é abismo, quando a alma quer escutar-se.
O silêncio habita a morte quando a sepultura é caminho para o ser que reflete.
Muitas vezes o silêncio é espelho!
Se o que vou dizer não for mais importante que seu silêncio, calo-me.
O silêncio faz o tolo parecer sábio.
Cálice de vinho tinto de sangue é a palavra que amarga o afeto.
Flecha veloz.
Arame farpado que prende os pés.
Cerca de espinhos, posta na estrada de quem anda às cegas.
Há momentos em que o silêncio é a melhor poesia.
A mais doce canção.
Melodia sem notas nem tons; sons do amor de quem ama amar.
A canoa do silêncio navega solitária, sobre o espelho d’água da imaginação.
Em Maiakóviski a palavra tem o seu lugar:
“Sei os pulsos das palavras...
Não as que se aplaudem do alto dos teatros,
Mas as que arrancam caixões da treva”.
Às vezes, o silêncio é o único caminho seguro para quem deseja a poesia.
É a eloqüência mais elegante de quem se sabe em paz com o mundo.
Faço silêncio agora e minha alma grita.
Parece-me que silêncio é palavra galopante entre as estrelas.
O ser pensante precisa aprender a calar a alma.
Tenho que aprender a calar a alma.
Quando calo minha alma, meu inconsciente quebra a vidraça do silêncio,
De maneira que mesmo em silêncio, calado eu ainda sou palavra: metalinguagem.
Sem voz, sendo voz.
Sem canto e em mim um coral.
Sem versos, e os poetas do meu ser ressuscitam de suas velhas tumbas.
Só silêncio! Sou silêncio!
Quando o mundo não cala, calo eu.
A poesia em mim pretende ser o que não pode ser jamais: silêncio.
Desse modo, quero arrancar caixões da treva.
Escuridão que habita o ser onde não há incidência da luz.
No escuro, tudo se cala. Só há o cogito (ergo sum).
E se cogito me ergo sim.
Não há palavra no mundo dos mortos.
É no silêncio que o ser se percebe e a dúvida é a sua mais profunda certeza.
Gosto do silêncio quando sua profundidade é a mais alta expressão do amor.
Gosto do silêncio, quando silente absorvo o mundo, observando a mim mesmo.
Todas as vozes se calam, quando calo em mim todas as cores.
O grito das flores é sua beleza dada em silêncio.
Sutil eloqüência de quem respira a essência da vida.
É madruga! Todos dormem, e daqui, se pode ouvir o nada.
Silêncio! Não acordem as aves.
Cala-se para ouvir o que a palavra claudica em dizer.
Silente, escute o que só o silêncio pode e sabe dizer.
Uma criança dorme ao lado. Nasceu ontem!
Psiu! É na penumbra do silêncio que se pare as idéias e as crianças dormem.
Uma flor está brotando. Cale-se! Daqui se pode escutar a sua voz.
Há sonoridade na vida que só em silêncio se pode auscultar.
Em meu silêncio nasce a poesia que desperta a inocência.
Minha poesia é silêncio!
Palavra na não-palavra!
Meu intenso desejo de calar no mundo suas dores.
Façam silêncio!
Um poeta percebe o mundo despertando o amor.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ainda Quero Ser Criança!



Sugiro que este poema seja lido ouvindo-se a canção: http://www.youtube.com/watch?v=JQI0N0nZ5ho&feature=related



Poema para quem deseja ser feliz de verdade!





Ainda Quero Ser Criança!



De cima do muro onde estou agora,

                                   eu vejo o Sol por entre os dedos.

Por que isto? Não me perguntes a razão.

Meninos não explicam porque cruzam os dedos

                                   quando estão de mal uns com os outros.

Tampouco quando com os calcanhares fazem círculos

                                   sobre o chão para parar a chuva.

Meninos simplesmente sentem, amam, idealizam, sonham e realizam.

Eles têm os poderes mágicos da vida:

                                   Tocam as estrelas e brincam com a lua.

Não há teoremas para o coração que quer brincar com o vento.

A razão se emudece ante o Peter Pan,

                                   Que voa por ai com velhos lençóis seda nas costas.

O que dizer de Tarzans que gritam,

                                   Enquanto correm com seus corpos desnudos rua abaixo?

A razão da fantasia é a alma que agoniza entre universos paralelos: amor e ódio.

Entre muros que se erguem face à morte e à eternidade.

Saltimbancos; melodia de corpos frágeis que se esgueiram no tempo.

Como definir a imaginação quando a melhor boneca é aquela

                                   Sem braço, sem olho e descabelada?

O lúdico se faz insensatez para os olhos que não sabem amar.

Amar é enxergar quando os olhos estão grávidos de ternura, beleza e simplicidade.

Trocamos os velhos brinquedos de pau e de plástico dos longínquos quintais da vida,

Por outros que destroem, matam e arruínam os sonhos de nações inteiras.

Avança-se das armas de canudos de galhos de mamoeiros,

                                   Para carabinas, mísseis e fuzis.

Evolui-se dos botões de vídeo games,

                                   Partindo para aqueles das ogivas nucleares.

Da solidão daqui migra-se para o ódio dali.

Se os pais soubessem, brincariam mais com os seus filhos de pega varetas.

O que são os políticos? Meninos crescidos brincando de guerra e paz:

                                   Mal me quer! Bem me quer.

Os jogos que aprendemos na infância são reeditados na vida adulta real:

Batalha Naval, Banco Imobiliário, Xadrez, Policia e Ladrão. E com eles as trapaças!   

Eu queria ser artista plástico, para retratar o mundo dos meus sonhos.

Eu queria pintar e ouvir de longe o som do acordeão tocando

                                   A La Petite Wals, ao redor das flores.

O meu pai não brincou comigo. O perdôo, ele não teve infância.

Para alguns a guerra começa mais cedo e no lar.

Ele se foi e eu nem tive tempo para lhe chamar de amigo.

Eu cresci onde crescem os pombos e os pardais.

Minha alma é alada e prefere as cidades das cumeeiras.

Amo os sinos de igrejinhas tocados nas praças.

Me encanta o mundo quando a beleza é singela.

Quero o apito dos trens chegando à estação.

O saxofone tocado por um músico solitário em algum lugar na vizinhança.

Amo os cães quando ladram a distância.

O cantar do galo avisando o raiar do sol.

Sou menino que versa o amor nas palavras, doa a quem doer.

Já corri atrás de redemoinhos de ventos ligeiros,

                        Por que temer as tempestades?

Adoro o aconchego, quando a trovoada anuncia as chuvas.

Quando ao som da chuva da janela observo as árvores.

Quem viveu tanta ternura não precisa de canhões.

Minha arma é a poesia. Versa em mim o verso que repara a vida.  

Faço dos meus versos minha espada desembainhada e afiada contra o ódio.

Fio de prata que decepa a ignorância de quem pensa que cresceu.

Sou menino aventureiro! Sem batina, sem jargões,

                        Um canto elevado a Deus somente.

Sigo em meu navio mar afora.

Quero soltar balões!

Empinar pipas!

Correr por ai sem medo de ser feliz.

Quero os folguedos de arraiais com bandeirolas e festins.

Quero a Copa do Mundo com Brasil campeão.

Eu quero os campos de girassóis e uma taça de quentão.

Quero a família entre outras famílias marejando o amor.

Quero chimarrão e o frio de agosto.

Quero fazer felicidade, pois feliz só há cidade, quando o povo é feliz.    

Minhas travessuras são poesias feitas para quem deseja a vida.

Sou menino travestido de adulto,

                        Transcendência de mim mesmo no espelho.  

E na poesia eu pinto o mundo que o artista quer dizer.

Eu digo, por que se me expresso, eu vivo...

Minha poesia é partitura feita a pincel e nanquim.

Fragmentos de uma alma afeita à pintura a óleo com espátula.

Brinco com as palavras, enquanto reconstruo mundos.

Dou aos olhos dos que lêem o sabor das amoras colhidas no inverno.

Vinho que se bebe nas montanhas de Val Paraíso.   

Canção do adeus, quando o coração deseja o olhar que permanece.

Minha poesia é escrita a ferro e fogo.

Sou menino de olhar incerto que no rumo certo vai tocando a estrada.

Minha cegueira é minha lucidez.

Minha lucidez é minha ludicidade na cidade da minha solitude.

Sou favela que acolhe o Sol.

Sou vereda posta em verso para aqueles que cujos pés caminham entre nuvens.

Sou palavra que acolhe o grão.

Terra onde morre a semente para nascer esperança.

Lago profundo onde a luz da lua reflete sua transcendente claridade.

Luar que a saudade sela com um beijo.

Sim, eu acho que sou menino mesmo. A contra gosto!

Aprendi a perdoar os meus inimigos. Pobres coitados!

Vilões necessários para que a nobreza de um guerreiro venha a lume.

Meus heróis estão mortos.

Deixaram de brincar, cresceram e se tornaram vis.

Eu quero um coração puro. Sem julgar os outros.

                        Transparência!

Sem condená-los naquilo que eu mesmo sou: humano.

Eu não quero ser religioso.

                        Estes são odiosos, amargurados e se acham perfeitos.

Eu quero a fragilidade que me mantém aos pés do Cristo.

“Quem não se fizer como uma criança,

                        Não pode entrar no reino de Deus”.

Nicodemos indagou ao Mestre:

“Eu sou velho! Como posso nascer de novo?

Voltaria novamente ao ventre da minha mãe?”

Quero nascer de novo! E de novo! E de novo, e outra vez...

Crescer é bom quando o coração se sabe puro.

Dostoiéviski o descreveu em seu O Idiota!

Ser santo é ser como criança!

Eu quero a santidade que se vive na inocência de uma criança.

Às vezes penso que santidade de adultos,

É como aves de rapinas sobrevoando a presa.

                        Represa que vasa silenciosamente.

A criança em minha urge por um adulto mais sereno.

Um mundo mais justo, de outros meninos,

Que se sabem simples homens de bem.

Adélia Prado sentiu a dor do amor que sinto agora:

                        “Meu Deus,

Me dê cinco anos (...)

                        Mê dê a negrinha Fia pra eu brincar.

Me dê uma noite para eu dormir com minha mãe(...)

                        Me dê a mão, me cura de ser grande.

Ó Meu Deus, meu pai,

                        Meu pai”.  (Orfandade)

Daqui de cima do mundo, no muro ainda avisto o sol entre os meus dedos.



Poema de Robério Jesus