Sugiro que este poema seja lido ouvindo-se a canção: http://www.youtube.com/watch?v=JQI0N0nZ5ho&feature=related
Poema para quem deseja ser feliz de verdade!
Ainda Quero Ser Criança!
De cima do muro onde estou agora,
eu vejo o Sol por entre os dedos.
Por que isto? Não me perguntes a razão.
Meninos não explicam porque cruzam os dedos
quando estão de mal uns com os outros.
Tampouco quando com os calcanhares fazem círculos
sobre o chão para parar a chuva.
Meninos simplesmente sentem, amam, idealizam, sonham e realizam.
Eles têm os poderes mágicos da vida:
Tocam as estrelas e brincam com a lua.
Não há teoremas para o coração que quer brincar com o vento.
A razão se emudece ante o Peter Pan,
Que voa por ai com velhos lençóis seda nas costas.
O que dizer de Tarzans que gritam,
Enquanto correm com seus corpos desnudos rua abaixo?
A razão da fantasia é a alma que agoniza entre universos paralelos: amor e ódio.
Entre muros que se erguem face à morte e à eternidade.
Saltimbancos; melodia de corpos frágeis que se esgueiram no tempo.
Como definir a imaginação quando a melhor boneca é aquela
Sem braço, sem olho e descabelada?
O lúdico se faz insensatez para os olhos que não sabem amar.
Amar é enxergar quando os olhos estão grávidos de ternura, beleza e simplicidade.
Trocamos os velhos brinquedos de pau e de plástico dos longínquos quintais da vida,
Por outros que destroem, matam e arruínam os sonhos de nações inteiras.
Avança-se das armas de canudos de galhos de mamoeiros,
Para carabinas, mísseis e fuzis.
Evolui-se dos botões de vídeo games,
Partindo para aqueles das ogivas nucleares.
Da solidão daqui migra-se para o ódio dali.
Se os pais soubessem, brincariam mais com os seus filhos de pega varetas.
O que são os políticos? Meninos crescidos brincando de guerra e paz:
Mal me quer! Bem me quer.
Os jogos que aprendemos na infância são reeditados na vida adulta real:
Batalha Naval, Banco Imobiliário, Xadrez, Policia e Ladrão. E com eles as trapaças!
Eu queria ser artista plástico, para retratar o mundo dos meus sonhos.
Eu queria pintar e ouvir de longe o som do acordeão tocando
A La Petite Wals, ao redor das flores.
O meu pai não brincou comigo. O perdôo, ele não teve infância.
Para alguns a guerra começa mais cedo e no lar.
Ele se foi e eu nem tive tempo para lhe chamar de amigo.
Eu cresci onde crescem os pombos e os pardais.
Minha alma é alada e prefere as cidades das cumeeiras.
Amo os sinos de igrejinhas tocados nas praças.
Me encanta o mundo quando a beleza é singela.
Quero o apito dos trens chegando à estação.
O saxofone tocado por um músico solitário em algum lugar na vizinhança.
Amo os cães quando ladram a distância.
O cantar do galo avisando o raiar do sol.
Sou menino que versa o amor nas palavras, doa a quem doer.
Já corri atrás de redemoinhos de ventos ligeiros,
Por que temer as tempestades?
Adoro o aconchego, quando a trovoada anuncia as chuvas.
Quando ao som da chuva da janela observo as árvores.
Quem viveu tanta ternura não precisa de canhões.
Minha arma é a poesia. Versa em mim o verso que repara a vida.
Faço dos meus versos minha espada desembainhada e afiada contra o ódio.
Fio de prata que decepa a ignorância de quem pensa que cresceu.
Sou menino aventureiro! Sem batina, sem jargões,
Um canto elevado a Deus somente.
Sigo em meu navio mar afora.
Quero soltar balões!
Empinar pipas!
Correr por ai sem medo de ser feliz.
Quero os folguedos de arraiais com bandeirolas e festins.
Quero a Copa do Mundo com Brasil campeão.
Eu quero os campos de girassóis e uma taça de quentão.
Quero a família entre outras famílias marejando o amor.
Quero chimarrão e o frio de agosto.
Quero fazer felicidade, pois feliz só há cidade, quando o povo é feliz.
Minhas travessuras são poesias feitas para quem deseja a vida.
Sou menino travestido de adulto,
Transcendência de mim mesmo no espelho.
E na poesia eu pinto o mundo que o artista quer dizer.
Eu digo, por que se me expresso, eu vivo...
Minha poesia é partitura feita a pincel e nanquim.
Fragmentos de uma alma afeita à pintura a óleo com espátula.
Brinco com as palavras, enquanto reconstruo mundos.
Dou aos olhos dos que lêem o sabor das amoras colhidas no inverno.
Vinho que se bebe nas montanhas de Val Paraíso.
Canção do adeus, quando o coração deseja o olhar que permanece.
Minha poesia é escrita a ferro e fogo.
Sou menino de olhar incerto que no rumo certo vai tocando a estrada.
Minha cegueira é minha lucidez.
Minha lucidez é minha ludicidade na cidade da minha solitude.
Sou favela que acolhe o Sol.
Sou vereda posta em verso para aqueles que cujos pés caminham entre nuvens.
Sou palavra que acolhe o grão.
Terra onde morre a semente para nascer esperança.
Lago profundo onde a luz da lua reflete sua transcendente claridade.
Luar que a saudade sela com um beijo.
Sim, eu acho que sou menino mesmo. A contra gosto!
Aprendi a perdoar os meus inimigos. Pobres coitados!
Vilões necessários para que a nobreza de um guerreiro venha a lume.
Meus heróis estão mortos.
Deixaram de brincar, cresceram e se tornaram vis.
Eu quero um coração puro. Sem julgar os outros.
Transparência!
Sem condená-los naquilo que eu mesmo sou: humano.
Eu não quero ser religioso.
Estes são odiosos, amargurados e se acham perfeitos.
Eu quero a fragilidade que me mantém aos pés do Cristo.
“Quem não se fizer como uma criança,
Não pode entrar no reino de Deus”.
Nicodemos indagou ao Mestre:
“Eu sou velho! Como posso nascer de novo?
Voltaria novamente ao ventre da minha mãe?”
Quero nascer de novo! E de novo! E de novo, e outra vez...
Crescer é bom quando o coração se sabe puro.
Dostoiéviski o descreveu em seu O Idiota!
Ser santo é ser como criança!
Eu quero a santidade que se vive na inocência de uma criança.
Às vezes penso que santidade de adultos,
É como aves de rapinas sobrevoando a presa.
Represa que vasa silenciosamente.
A criança em minha urge por um adulto mais sereno.
Um mundo mais justo, de outros meninos,
Que se sabem simples homens de bem.
Adélia Prado sentiu a dor do amor que sinto agora:
“Meu Deus,
Me dê cinco anos (...)
Mê dê a negrinha Fia pra eu brincar.
Me dê uma noite para eu dormir com minha mãe(...)
Me dê a mão, me cura de ser grande.
Ó Meu Deus, meu pai,
Meu pai”. (Orfandade)
Daqui de cima do mundo, no muro ainda avisto o sol entre os meus dedos.
Poema de Robério Jesus