A palavra brande em minha alma como espada na peleja.
Eu sou apenas garimpeiro das idéias.
Estas que fomentam o meu ser em labuta.
Sinto-me agricultor dos pensamentos e a poesia ara em mim uma terra virgem.
Recuso o silêncio, quando a palavra flutua na órbita da emoção.
Entre minhas recusas, recuso-me escrever, ser e dizer sem essencialidade.
A poesia em mim tem alma.
É espírito o que transpiro em versos.
Eu recuso uma vida sem amor, sem paz e sem transcendência.
Rejeito a servidão que existe nas frágeis instâncias do sagrado.
Amo a alegria quando esta tem sabor de liberdade.
Recuso o direito negado, o afeto não dado e o olhar que odeia.
Eu recuso a invernos sem frio e sem sopa de lentilhas.
Quero as primaveras repletas de borboletas e fragrância de flores belas.
Recuso a dor da partida quando o coração quer o amor de quem fica.
Sou filho do outono e com os ventos, construo os meus sonhos.
Do verão eu quero o Sol e na estrada sigo só, solfejando Vandré.
Recuso o saber grávido de uma arrogância infértil; prefiro a humildade.
Que diferença há entre as baratas, os políticos, os ladrões, os corruptos e os porcos?
Não sei dizer, talvez não haja nenhuma, ou apenas as asas.
“Em que espelho ficou perdida a minha face?" Indagou C. Meireles.
Recuso o espelho que não reflete os meus vastos anos.
Não quero esconder minhas rugas,
Quero assumi-las como minha verdade mais profunda.
Não temo os espelhos; por que me esconderia da nudez da minha face? Não uso a tribuna!
Sou cidadão do povo. Um poeta do povo. Os poetas não podem temer o espelho, mas a deslealdade.
Recuso-me a poesias sem verdade, versos sem transparência e canções sem amor.
Os poemas existem para a alma que anseia a beleza e a candura de uma vida sem cimento, ferro e brita.
Recuso a morte sem um viver cheio de encanto pela vida, pela arte ou pela poesia.
Tudo é poeira onde não há ternura nem eternidade.
Tudo é cinza onde a vida não é mais possível. Toda cinza é vida que se foi.
Poesia não lida é fruto peco no pé.
Recuso o analfabetismo da poesia.
Que viva o saber!
Que viva o ser!
Como posso ser sem saber? Ah! Há tanta gente que é e não sabe, e outras tantas que não são e sequer sabem.
Temo não me parecer com nada. Temo ser invisível. Recuso a rejeição.
Albert Camus tinha razão: “A tentação mais perigosa: não se parecer com nada”.
Acho que sou parecido comigo mesmo ao avesso.
Há quem escute Bach, Chico e Luiz Gonzaga sem que sequer saiba distingui-los.
Quanto a mim, eu escuto a canção do passaredo e ouço o tilintar de asas de vidro.
Sinfonias de pardais, eloqüência de uma melodia feita de amor e prosa: como canta Boldrin – “O mundo foi me dando os solavancos”.
Recuso-me não ser eu mesmo. Não quero ser outro.
Mas como? Já nem sei mais o que fui e o que sou agora, é outro ser que agonizo.
Não consigo não mudar, tampouco permanecer o que fui um dia.
Esses muitos eu em mim, se fundem, dialogam e se esmagam sutilmente.
Ainda haverá outros eus para eu me tornar. Não posso cansar-me de mim mesmo.
Sendo assim, sou eterna mudança. “Uma metamorfose ambulante”, como disse Raul.
Eu venho de muitas camadas e desconfio que a que me veste agora é frágil.
O que permanece em mim não resiste ao tempo ou à espera das horas.
Na parede o relógio pende para duas da madrugada.
Sinto-me como a religião moderna no mundo global e sem rumo: esgotado.
“E é quando a dor bate à porta e se esgotam os recursos da técnica que nas pessoas acordam os videntes, os exorcistas, os mágicos, os curadores, os benzedores, os sacerdotes, os profetas e poetas, aquele que reza e suplica, sem saber direito a quem...”, disse Rubem Alves.
Os poetas como os outros místicos, surgem da, na ou para a dor de alguém.
Sinto-me poeta da minha própria dor e nisto igualo-me na dor aos demais.
Minha poesia é pura existência, minha dor é feita e posta em versos.
Minha dor unida a outras dores, lidas, descritas e escrevinhadas a uma só vez.
Poesia é lágrimas vertidas e vestidas de semântica.
Recuso-me a manter oculta em mim a semente, que de mim deve cair na terra.
Recuso a tudo que não é amor.
Recuso a solidão.
Recuso a um país de miseráveis.
Recuso uma pátria de mortalha.
Recuso um Deus sem a face do amor.
Recuso o andor, o santo do pau oco.
Recuso púlpito e altares onde Mamom é a efígie adorada.
Recuso uma estrada sem destino. Um mundo sem fé.
Um túnel sem a luz do seu fim.
Recuso o silêncio, pois a mim uma palavra basta.
Recuso a cruz sem ressurreição.
Recuso, recuso e recuso a tudo que não passe pelo crivo da serenidade.
Caso haja alguém solfejando e anotando esta melodia:
Recuse uma existência sem entusiasmo.
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