quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Uma Carta De Amor



Carta aos meus irmãos


Queridos irmãos, Roneibe, Roberval, Ronaldo e Romilda meus verdadeiros irmãos de sangue e coração. Saúdo-vos no amor de Cristo Jesus que nos manteve unidos, nas maiores dificuldades desta vida e nas mais diversas intempéries que este mundo pôde nos apresentar. Confesso que nestes últimos dias o meu coração tem andado partido devido aos eventos que dizem respeito à minha vida pessoal, porém, sobretudo, aos que se referem à nossa tão fragilizada família.
Os anos se passaram e a gente foi crescendo soltos pelo mundo e distantes uns dos outros. É certo que a nossa forma de criação, bem como o modo como nos fizeram enxergar a vida, não compôs em nós a melodia primaveril que norteia certas famílias pelo mundo afora, posto que, a nossa foi forjada a ferro e fogo na guerra constante de uma inóspita sobrevivência.
Aprouve a Deus separar-nos muito cedo, todavia, o pouco que vivemos juntos nos deu a possibilidade de nos sentirmos unidos de verdade um dia, mesmo que por um fino fio de prata que nunca se quebrou, quando foram quebradas as nossas expectativas, sonhos e emoções. Se de um lado a dureza do nosso pai nos quebrantava pelo sofrimento, do outro, o amor e as orações da nossa mãe nos mantiveram firmes quando nós nem sabíamos chamar por Deus.
Eu gostaria de poder descrevê-los como realmente o são para mim, mas temo que o meu já despedaçado coração sofra novamente com a lembrança e com o fato de que além das nossas vidas, nós fomos roubados de uma convivência mais profunda. Hoje tenho 41 anos de idade e me dou conta de que entre nós existe pouca coisa e o que resta, são fagulhas de um relacionamento tênue que, com o passar dos anos tem se tornado mais frio, mais distante e obsoleto. Temo não manifestar a minha tristeza agora e perdê-los para sempre.
Vivi e tenho vivido dias difíceis e sei, que na mesma medida, isso se dá com vocês. Entretanto, tenho pensado que o sofrimento nos tornou pessoas fortes, porém, frias e indiferentes, e chego até a imaginar que por conta disso, nos tornamos solitários e indefesos no mundo. É possível que a essa altura, muitas coisas já se tenham partido parcial ou totalmente nas nossas vidas, por conta dos nossos muitos traumas, lembranças doridas e vivências, não obstante, permitam-me dizer-vos, que o que restou em nós, deve-se ainda, ao bom depósito de orações que nossa mãe reservou ao longo desses anos, desde a nossa infância. Não quero com isto subestimar a vossa capacidade de sobreviver ante as agruras da vida, mas estou certo de que Deus nos poupou de coisas piores por amor a ela e vocês sabem do que estou falando.
Tornei-me adulto e nem me dei conta. Essa semana o choro de Tábatha, minha filha mais nova, fez-me reviver o que eu senti em mim a vida inteira, quando esta disse aos prantos, com sua face banhada de lágrimas:
“_ Papai eu não quero crescer”. – Confesso que não sei se entendi bem as suas razões. Perdido, tentando entender as dela, encontrei as minhas. Aquelas que me fizeram chorar por longos e solitários anos. Fiquei aflito e da minha aflição, decidi rever alguns valores; mas como fazê-lo sem que de alguma maneira incluísse vocês? Daí, pus-me a escrever-vos este texto que de maneira alguma quer representar um drama pessoal, afim de que vocês fiquem sensibilizados, antes, escrevo-vos porque sei o quanto a vida é breve e não estou certo se terei outra chance, ou mesmo, coragem para dizer-vos o que sinto dentro em mim. Eu gostaria de fazê-lo pessoalmente.
Grande parte da minha vida eu passei longe de todos vocês. Como filho mais novo dos homens, assisti a cada um de vocês de longe e do lugar da saudade. Eu confesso que sempre me orgulhei de tê-los como irmãos. Cada um com a sua característica. 
Ronaldo com seu jeito estorvado de ser, brigava com todos, mas era dono de um coração meigo, carente e zelador da nossa mãe. Roberval, firme como uma rocha, não escondia sua ânsia pela vida. Sempre o achei um verdadeiro mistério, dono de uma bondade agradável, eu o amei do meu jeito. Romilda era a minha sinfonia mais suave e eu queria protegê-la de todos os perigos do mundo. Acho que falhei na minha missão, haja vista a tudo que permiti que ela passasse devido a minha impotência. Roneibe, o meu irmão mais velho, era o meu orgulho; sempre o mais distante de todos, porém, passei a conhecê-lo quando convivi na sua casa por quase um ano. Tempo inesquecível. 
Todos vocês marcaram a minha vida de algum modo. Não me lembro do tempo que todos estivemos juntos sem tormentas ou desafios. O mar sempre foi bravio para nós meus caros. E todos nós vivemos consciente ou inconscientemente em torno da fé e do Deus de nossa mãe. Fé esta, que de todas as maneiras movera o braço Dele, a nosso respeito, para nos tornar pessoas de bem e finalmente, nos dar um sentido de vida e história que valesse a pena. Os nossos filhos precisam saber disto.
Daqui da janela da minha solidão eu vejo a vossa. No quarto escuro do medo eu guardei os meus segredos e sei que vocês, nesse sentido, em nada são diferentes de mim.
Perdoar o nosso pai no jardim de uma Praça de Campinas foi o caminho para resolver parte dos meus problemas emocionais, porém, Deus continuamente se encarrega a nos ajudar nas coisas que a gente não compreende acerca da nossa própria vida e mesmo naquelas que para nós ainda são inconscientes.
Desde que me entendi como gente, eu senti um forte chamado da parte de Deus para servi-lo e como vocês sabem, eu me apliquei a isto de coração. Eu não sei o que seria de mim não fosse Sua graça e misericórdia. Talvez eu não tivesse a mesma sorte que vocês. Fiz das tripas coração para que a minha vida trouxesse honra para a família e levasse a vocês mais profunda alegria e orgulho. Passei fome, dormi na rua, apanhei de pessoas, adoeci e me curei sozinho; chorei noites a fio em vários quartos escuros pelo mundo afora. Dormi em rodoviárias, fui humilhado muitas vezes, em perigos nas estradas e becos desta vida, noites sem dormir, enfrentei invernos frios, quantas vezes eu fracassei tentando trazer o pão para ajudar em casa, contudo era para vocês que eu olhava quando dizia a mim mesmo que valia a pena passar por todo aquele sofrimento. 
Passei a pastorear e um mar de novos e graves problemas desabou sobre a minha vida. Eu achava que eu era forte. Daí com o passar dos anos fui sofrendo outros níveis de golpes como traições, calúnias, perseguições, injustiças, ciúmes, invejas e tudo que um jovem pastor vive para tornar-se maduro. Eu fui somatizando a tudo isso, o que culminou no fato de eu fracassar na minha vida pessoal, no meu casamento, na relação com minhas filhas e com a família, no meu ministério e no ideal de ser um motivo de alegria e honra para vocês. Vivi dias terríveis, atravessei um deserto existencial sem tamanho, entrei em depressão, odiei o mundo e a mim mesmo, desejei a morte e fiz da minha vida um verdadeiro inferno. 


À medida que eu assistia a maneira como um jovem pastor estava sendo tratado por outros colegas e membros de igrejas eu deixei esvair a pureza do meu coração e a taça de cristal se quebrou. Não que eu não tenha encontrado pessoas boas agradeço a Deus por elas, mas vi a desgraça personificada, encarnada e eu mesmo fui me tornando parecido a tudo aquilo que eu mais odiava. Alguma coisa parece ter morrido dentro de mim e certo cinismo bem como uma dura frieza tomou conta do meu coração. Meu mundo de louças se quebrou. Eu pedi a Deus que me levasse deste mundo muitas vezes, todavia, como ele já estava acostumado com essa prece desde a minha mais tenra infância, acho que ele ignorou.
Assumi compromissos que me distanciaram totalmente da verdade que nossa mãe nos ensinou. Passei a insistir na tentativa de acabar com tudo o que eu acreditava e com tudo pelo que sempre lutei desde que me entreguei a Jesus, pois eu sabia que fazendo assim eu daria um fim na minha história de vida, uma espécie de suicídio moral e espiritual. O fato é que nessa frustrada tentativa meus irmãos eu os machuquei severamente. Quero que entendam que a dor que vos causei não parece em nada proporcionalmente à dor que eu trazia no peito e escondia de vocês para que de alguma forma pudesse dar um bom testemunho de Cristo a vocês, tampouco se assemelha à dor que passei a sentir depois de tudo.
Hoje sou alguém recomeçando a vida. Reaprendendo a andar. Reparando o altar e meus sentimentos. Confesso que viver com Jesus é a forma mais emocionante de vida, mas o que vi por onde andei, eu não desejo nem a vocês nem a ninguém de sorte alguma. Eu me senti escória deste mundo. Lamento por tê-los decepcionado e por ter me tornado, eu mesmo, o contrário de tudo aquilo que eu deveria ser para vocês. Se eu pudesse, eu apagaria a tudo isso da nossa história, mas não tenho como. Resta-me pedir-vos perdão pelo que não consegui ser, pelo que acabei me tornando e fazendo a cada um de vocês. Acho que posso tê-los ao menos como irmãos.
Tenho retomado a minha vida com Deus, pondo os meus pés sobre os trilhos do meu coração, pois, já andava distante de tudo, sobretudo quando achei que os havia perdido. Manoelita e as meninas têm me ajudado e participam deste processo, mas as pressões do contexto ministerial que eu vivo me empurram diuturnamente para longe de tudo o que eu chamo de caminho da lucidez. Tenho lutado para que no meu coração não floresça o ódio nem a amargura. Não tenho deixado o sol se por sobre a minha ira ou angústia. Deus tem me ajudado. Eu tenho assumido a cruz de Cristo em meu viver.
Algumas coisas ainda me inquietam, razões pelas quais parei para escrever-vos e assim passo a elencar o que ainda sinto.
Mãinha, o único elo que nos liga ainda está caminhando por findar os seus dias sobre a face da terra e quando isto vier a acontecer, ela passará a não estar mais entre nós, temo que nossa família se separe de vez. Quem de nós está preparado emocionalmente para esse tempo? Tenho orado a Deus sobre isso.
Sinto que abismos se abriram entre nós e nos separam contundentemente. Penso que tudo isso se deve ao fato de, além do nosso passado, minhas falhas acima confessadas e a nossa dificuldade de perdoar, porém listo como a pior delas, a nossa total ou parcial indiferença com a herança espiritual que recebemos da nossa mãe ao longo dos anos. E nisso me incluo também. Não vejo união nem amor acontecendo entre nós e desejo que esta carta nos desperte para um avivamento destes na nossa família.
Nossa relação familiar está frágil e nossos filhos estão ficando sem herança espiritual. Estamos repetindo os erros dos nossos pais. Nós criamos os nossos filhos separados uns dos outros e longe de Jesus. Eu gostaria muito que isto mudasse a partir de mim com esse pedido explicito de perdão. O que nos une é maior do que o que tenta nos separar. Todas as famílias do mundo têm problemas, mas, ás vezes, eu sinto que além de termos problemas, não temos família. Nossos cônjuges, filhos, nem nossos afazeres não podem ser o motivo da nossa separação. Nossas diferenças também não, tampouco as nossas feridas.  Como faremos para que o passado não nos atinja mais?
Quero confessar o meu amor por vocês e meu ardente desejo de que um dia todos nós vivamos aquilo pelo que nossa mãe lutou a vida inteira, tentando manter-nos nos caminhos do evangelho do Senhor Jesus Cristo. Meus irmãos vocês podem acreditar, eu bem sei o significado de viver perto e longe de Jesus. Tenho orado para que toda maldição familiar seja quebrada da nossa parentela e de sobre nós.  
Eu desejo que este texto seja lido e compreendido como a minha mais tenra expressão de amor, pois aqui vai nestas poucas linhas o meu mais profundo pedido de perdão pelos meus fracassos, falhas e desapontamentos. Eu sei que o meu Senhor Jesus já me perdoou, espero que vocês consigam fazer o mesmo. Quanto a vós eu tenho a esperança de vê-los na plenitude de Cristo e quanto a mim, consolo-me com a consolação que Deus consola os seus: “A sua graça me basta”.

De quem muito vos ama.

Robério Santos Jesus seu irmão mais novo.

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