Por causa do tempo eu me sinto órfão da eternidade.
Algo em mim agita o mundo ao meu redor e minha alma ansiosa claudica.
Sinto certo medo quando a espera é a única opção.
Como menino que persegue um reflexo buliçoso de luz de espelhos irrequietos,
Nas paredes, assim, eu percorro ruas frias sob escadas íngremes de edifícios sombrios.
A eternidade perpassa o tempo. Na eternidade nada morre além do tempo.
Transcender o tempo é sua vocação.
O que seria um mundo sem morte e sem saudade?
Um mundo onde as coisas não envelhecem?
Os meninos serão para sempre meninos?
Os velhos serão sempre velhos?
Ou tudo será transformado em jovialidade.
Se assim for, os velhos não existirão.
As flores não nascerão mais.
Tampouco a lua e as estrelas serão necessárias.
Já não haverá poemas de amor, nem canções de trovadores mariachis.
Estes se dizem os cancioneiros dos eternamente apaixonados.
Não sei definir plenamente a eternidade.
Lá não haverá perdão, pois já não haverá erros.
Não haverá a ternura do nascimento.
Não haverá bebês, tampouco o nascer e o pôr-do-sol.
Foi Rimbaud quem disse sobre ela: “Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol”.
Na eternidade não haverá mais vento.
Para que o vento se espíritos não empinam pipas?
Não haverá casas, nem dormir, nem acordar, nem janelas para abrir.
Tampouco haverá lajes para subir e empinar papagaios coloridos.
Fico pensando numa eternidade sem algodão-doce, sem maçãs do amor,
Ou sem calda de caramelo e chocolate raspada,
Na forma de sobra de bolos feitos na cozinha ao pé do fogão,
Lambendo-se os dedos e lambuzando-se a face.
Eu queria uma eternidade onde houvesse jardins floridos;
Abelhas zumbindo, beija-flores parando no ar e perfume de azaléias,
Onde Deus passeasse no declinar do dia ao som das aves.
Eu temo muito a idéia que os cristãos pintaram da eternidade.
Todo mundo vestido de branco, roupas longas, cantando num coral de anjinhos.
Não tenho nada contra os anjos, acho até que vê-los é encantador.
Mas sofro em pensar num céu sem vaga-lumes.
Sem cantar de grilos, do galo ou sem estrelas cadentes.
Por que o Criador nos esterilizaria assim?
Os teólogos deveriam aprender o ser poetas.
Os poetas não sabem o mundo sem as flores, os mares e as marés.
Há alguma coisa definitivamenete errada no discurso dos teólogos,
Estes cristalizaram o céu e engessaram a eternidade.
O Deus da Bíblia é fazedor jardins.
Ele é lavrador, agricultor e gosta de mexer com a terra.
Tudo começa como um conto ligeiro.
Um poema sentido e recitado.
Até Adão antes da queda era poeta:
“Esta é agora osso dos meus ossos e carne da minha carne”.
O Diabo foi o primeiro teólogo segundo a narrativa bíblica:
“Não é assim que Deus disse?”.
Seu funesto curso de teologia deu no que deu: a morte da poesia.
E fomos nós seus alunos, que criamos cardos e espinhos.
Até a natureza anela pela sua redenção.
Se Deus vai fazer novas todas as coisas,
Então, entendo que a terra vai voltar a ser seu jardim fechado.
Eu prefiro o cheiro da terra vermelha a ruas de ouro e muros de cristais.
Não tenho nada contra o ouro, tampouco contra os cristais.
Mas que vida florescerá num lugar assim?
Amo as cachoeiras, o cantar das aves e barulho da natureza.
“Porque Deus amou o cosmo de tal maneira que deu seu Filho unigênito,
Para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.
O texto sagrado diz que ele amou o cosmo,
Essa casa que nos habita e que habitamos nela.
O mundo. Palavra cujo sentido é multidiverso, poliforme e plural.
Os poetas amam o mundo de tal maneira que o descrevem com o brio da eternidade.
Os teólogos são frios, burocráticos e dogmáticos.
Os poetas são amantes da beleza e são eles que deveriam definir a eternidade.
Na poesia até a morte é leveza.
É na alma do poeta que reside a eternidade.
O poeta é aquele que sente a eternidade e dela participa na ambiência do tempo.
Somos todos phoemas de Deus.
Deus é poeta e não teólogo.
Se a história é prosa, a eternidade é poesia.
É na poesia que o efêmero e o eterno se fundem.
Dialogam e fecundam o Cristo.
O Cristo é verso, Palavra de Deus; verso de um poema fecundo dos dois mundos.
Sou poeta porque me revisto da eternidade no amor às palavras.
Os poetas amam e por isso são eternos.
Os teólogos são superados, esquecidos e zombados.
Os poetas são aqueles que sibilam e ecoam na fenda entre os dois mundos.
Sabe como eu defino a eternidade?
Uma gota de orvalho escorre sobre uma pétala.
Faço profundo silêncio. Psiiiu! Silêncio!
Deus está vindo, escutem-no amando o mundo!
E Deus logo me faz enxergá-lo no passeio exuberante de fins de tardes,
Na viração do dia no éden que me habita.
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