terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Bentinho, O Menino E O Vento!




Era inverno e seu corpo lânguido, percorria absorto pelas ruas estreitas da velha Quixangá. A alma entorpecida, dor de quem da vida esquecera o sabor, seguia firme rumo ao ponto mais alto da estação. Parado ali, entre abismos, em sua face corria um rio de lágrimas. Incertezas de um ser que se sabia ferido. Quando a alma se sabe grandiosa, recusa a sofreguidão. Nessas horas, a beleza do mundo é vertida em silêncio e o fim do túnel é caminho para quem deseja a luz do outro lado do amor. Bentinho não queria outra coisa, além de ser feliz. O problema é que, tem hora que a felicidade é trem que atrasa a chegada e, a partida é a única opção para quem anseia chegar à margem do rio da alegria.
Seus sonhos em ruínas, seus muros afetivos derruídos, as portas do coração queimadas a fogo, restou-lhe a insignificância como meio de vida. Sitiado em suas próprias angústias, seguiu para aquele lugar para por fim ao vazio que lhe corroia a alma. Os carros passavam sob os seus pés naquele viaduto de alta rotatividade. Assentado no guardrail seu olhar seguia as nuvens e, volta meia, acompanhava os carros que passavam velozes. Acima dos flamboyants, dos ipês floridos e das acácias, sua aflição o fazia desistir da vida, do mundo e das coisas. Vazio dos seus sonhos, uma oração sibilante e seu ser partido em pedaços, o jovem Bentinho esperava o momento exato para dizer adeus ao mundo à sua volta. O vão que escolhera era o mais alto, pois dali não haveria erro.
Na sua mente se dava uma batalha renhida e inexpugnável. Quando a solidão é o único pão possível para alimentar a espera. Como abandonar o pôr-do-sol, o luar, a primavera, as cachoeiras, a verde campina e a beleza do amanhecer? Como desprezar o inverno, as chuvas de verão, o vicejar das flores e a brisa do mar? De que maneira deixar para trás suas lembranças mais doces, de quando menino, andando sobre trilhos, sob os sóis de outono, os tons amarelados e o cair das folhas? O que Bentinho queria era a vida! Mas como? Onde? Qual vida? Há momentos que o que resta na alma é a saudade de inesquecíveis dias, vividos entre o céu, a terra e o mar.
Era com Deus que bentinho conversava sobre a ponte. O menino rejeitava uma vida sem amor, vazia de quadros de amores ternos pintados na parede da lembrança. Para que viver, se fazer o que se ama já não é possível? – pensava ele. Foi no abismo da solidão que o Príncipe do amor lhe deu a mão. Sorriu-lhe o amor no asfalto. A vida escondida na fenda do tempo; eclodiu-lhe altaneira e viçosa.
Um caminhão que por ali passou pela divina providência, trazia em sua inscrição a palavra: CONFIANÇA. Palavra que lhe saiu ao encontro na forma de grito de amor e esperança. Era tudo que Bentinho precisava ouvir. Quando o Amor fala, sua voz é irresistível e inconteste. Um vento soprou como voz que vem do coração. Aturdido, o menino olhou para os lados e a única coisa que viu, foi o seu Deus pegando carona num caminhãozinho, passando por ali, para dizer-lhe da vida, do amor e do mundo. Dizer-lhe que o sonho não havia acabado e que ainda havia muito por fazer.
Assentando-se no batente, tomado por um profundo consolo, por causa da resposta que lhe sobreveio de súbito, do seu Deus, amigo leal e real o menino chorava e ria. Já não chorava de dor, mas pela delícia de um lindo pôr-do-sol num fim de tarde de inverno, coisa rara de se ver, presente de um Pai carinhoso que sabe guardar os seus filhos.
Assim, tomado por um novo sentimento, o menino seguiu para a sua casa; memórias suas de antigas promessas. Enquanto o menino seguia a pé para casa, Deus seguia para a sua casa eterna montado em seus cavalos de fogo. Bentinho guardou segredos de amor com o seu Deus. Aqueles que só se obtém entre abismos. Doçuras provadas como as que provam as aves nos penhascos das montanhas.
Foram-se tardes e manhãs, e viu Deus que era amor. Bentinho viu o quanto seu Deus era bom!

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