Era inverno e seu corpo lânguido, percorria absorto pelas ruas estreitas da velha Quixangá. A alma entorpecida, dor de quem da vida esquecera o sabor, seguia firme rumo ao ponto mais alto da estação. Parado ali, entre abismos, em sua face corria um rio de lágrimas. Incertezas de um ser que se sabia ferido. Quando a alma se sabe grandiosa, recusa a sofreguidão. Nessas horas, a beleza do mundo é vertida em silêncio e o fim do túnel é caminho para quem deseja a luz do outro lado do amor. Bentinho não queria outra coisa, além de ser feliz. O problema é que, tem hora que a felicidade é trem que atrasa a chegada e, a partida é a única opção para quem anseia chegar à margem do rio da alegria.
Na sua mente se dava uma batalha renhida e inexpugnável. Quando a solidão é o único pão possível para alimentar a espera. Como abandonar o pôr-do-sol, o luar, a primavera, as cachoeiras, a verde campina e a beleza do amanhecer? Como desprezar o inverno, as chuvas de verão, o vicejar das flores e a brisa do mar? De que maneira deixar para trás suas lembranças mais doces, de quando menino, andando sobre trilhos, sob os sóis de outono, os tons amarelados e o cair das folhas? O que Bentinho queria era a vida! Mas como? Onde? Qual vida? Há momentos que o que resta na alma é a saudade de inesquecíveis dias, vividos entre o céu, a terra e o mar.
Era com Deus que bentinho conversava sobre a ponte. O menino rejeitava uma vida sem amor, vazia de quadros de amores ternos pintados na parede da lembrança. Para que viver, se fazer o que se ama já não é possível? – pensava ele. Foi no abismo da solidão que o Príncipe do amor lhe deu a mão. Sorriu-lhe o amor no asfalto. A vida escondida na fenda do tempo; eclodiu-lhe altaneira e viçosa.
Um caminhão que por ali passou pela divina providência, trazia em sua inscrição a palavra: CONFIANÇA. Palavra que lhe saiu ao encontro na forma de grito de amor e esperança. Era tudo que Bentinho precisava ouvir. Quando o Amor fala, sua voz é irresistível e inconteste. Um vento soprou como voz que vem do coração. Aturdido, o menino olhou para os lados e a única coisa que viu, foi o seu Deus pegando carona num caminhãozinho, passando por ali, para dizer-lhe da vida, do amor e do mundo. Dizer-lhe que o sonho não havia acabado e que ainda havia muito por fazer.
Assentando-se no batente, tomado por um profundo consolo, por causa da resposta que lhe sobreveio de súbito, do seu Deus, amigo leal e real o menino chorava e ria. Já não chorava de dor, mas pela delícia de um lindo pôr-do-sol num fim de tarde de inverno, coisa rara de se ver, presente de um Pai carinhoso que sabe guardar os seus filhos.
Assim, tomado por um novo sentimento, o menino seguiu para a sua casa; memórias suas de antigas promessas. Enquanto o menino seguia a pé para casa, Deus seguia para a sua casa eterna montado em seus cavalos de fogo. Bentinho guardou segredos de amor com o seu Deus. Aqueles que só se obtém entre abismos. Doçuras provadas como as que provam as aves nos penhascos das montanhas.
Foram-se tardes e manhãs, e viu Deus que era amor. Bentinho viu o quanto seu Deus era bom!
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