quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Quando A Escola É Ponte!


Eu sempre amei a escola. Estudar não era o meu forte, mas eu amava o espaço lúdico, a comunhão das boas amizades e das matérias que me apeteciam naquele prédio pintado de azul e branco. A pasta azul, verde ou vermelha na mão. Livros, cadernos, lápis e apetrechos escolares. As leituras dos romances que me faziam viajar pelo mundo inteiro. A fila da merenda. Mingau, arroz doce, sopas, leite, chocolate quente, pão ou biscoitos.  

Quando criança eu ia de chinelo para a escola. Eu imaginava que a escola era um lugar onde a gente brincava, comia a merenda e aprendia sobre o mundo. Todos deviam ir de tênis, mas a minha conga azul desgastou-se em dois anos. Eu fui barrado no portão de uma escola pública. O escudo da escola pendurado no peito formava o bolso da blusa branca, fardamento escolar com a gola puída, não me fizeram parar de buscar aquele espaço do saber como porta de esperança. Lembrei-me de tudo isso, após ver uma foto minha, eu com onze anos de idade.

O tempo me impôs mudanças. Mas não fui apenas eu quem mudou, a escola mudou. As pessoas mudaram. O mundo mudou. Roubaram a merenda da escola e o saber anda perdido por ai, no mundo do não-saber. Dizem que foi a prefeitura. Ouço dizer que a escola virou a secretaria do crime. Deve ser rumores de inimigos das brincadeiras. Professores morrem, por alunos armados. Já não se canta mais em fila o Hino Nacional.

A calça azul era de um tecido simples e fino. Fino de finura e não de fineza. Os meus pais não iam às reuniões da escola, eles não podiam ir. A gente aprendia de tudo. Eu gostava mais de estudar história. Sempre odiei a matemática. Amava estudar ciência. Meninos com fome não guardam números nem sabem fazer cálculos. A sabatina era minha maior angústia. A professora com uma palmatória na mão, as crianças em fila e os números longe da minha cabeça. Foi assim que ajoelhei sobre milho e tive as mãos sofridas de tanto bolos.

A meu ver, em minha particular opinião, havia certas matérias que eram postas como mata-burro na estrada. Estavam ali para frear a vida e a caminhada de alguns. Garotos pobres estudando inglês, espanhol, provas escritas de educação física e outras. Amo a Escola da Ponte. Eu queria voltar a ser criança para estudar nela. Por que será que os educadores se vendem à política e os políticos querem barrar a muitos na carreira escolar? Por que será que não se pode entrar direto para a Universidade?  

Para muitos garotos pobres a escola e o fim da trilha. Encerra ali uma história que nem bem começou. Quando a escola não é mais um caminho, ela se transforma em abismo. Escolas abismos são aquelas que não têm pontes. Elas já não integram as crianças à sociedade e desta ao futuro. Sepultaram a escola pública e as que vivem servem de sepulcro de sonhos infantis. Nossos jovens estão morrendo, sem chance algum de saírem da insignificância. Já não há pontes para um futuro promissor.  Pierre Bourdieu afirmava que “Só uma política inspirada pela preocupação de atrair e de promover os melhores, esses homens e mulheres de qualidade que todos os sistemas de educação sempre celebraram, poderá fazer do ofício de educar a juventude o que ele deveria ser: o primeiro de todos os ofícios”.

Ainda lembro-me da diretora da escola. Uma autoridade. Ela tinha um nome bonito: Iolanda. Como também, eu não me esqueço da professora séria, mas dedicada que nos fazia mudar o comportamento, assim que apontava no portão da escola: Carlisdônia. Eram ícones de um amor que dava a escola um sentido materno acolhedor. Não me tornei bandido porque tomei bolo na escola.

Diga-se de passagem, aqueles que fugiram dessa realidade é que se enveredaram pelos caminhos das drogas e do crime. Naquele tempo, o mal jazia fora dos muros da escola, hoje, baniu o bem da escola e em alguns lugares rege a escola a ferro e fogo. Ainda me lembro das filas enormes de jovens na FEPASA, SENAI, nas Escolas Técnicas pelo Brasil a fora em busca de uma profissão. Hoje o crime organizado forma os seus exércitos. A escola era ponte para o futuro e para a realização dos sonhos.

Hoje, a escola pública já não vale nada. É apenas ponte do nada para lugar nenhum, sobretudo se estiver na zona rural. Uma escola que não é ponte para um futuro de esperança já não é mais uma escola. Não queremos uma escola que seja ponte para o crime, os presídios, para os hospitais ou para os cemitérios. Tenho duas filhas na escola. Às vezes me pergunto o que estão fazendo lá. E creio que esta angústia não é só minha. Muitos pais se perguntam a mesma coisa. Paulo Freire tinha razão: “Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”

Deixem os nossos filhos serem livres. Eles querem aprender. Queremos um Brasil melhor para eles. Uma escola livre. Uma Escola da Ponte que seja ponte para uma educação eficaz. Queremos uma escola que inspire, entusiasme e gerem em nossos filhos a alegria de viverem na escola para aprenderem si mesmas, sobre a vida, sobre o mundo e sobre as coisas, do contrário a escola continuará sendo um fardo, um caminho para a morte do saber. Em seu texto, Os Flamboyants, Rubem Alves diz: “E, como disse Walt Whitmann, "quem anda duzentos metros sem vontade, anda seguindo o próprio funeral, vestindo a própria mortalha".
   

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