terça-feira, 29 de novembro de 2011

Quixangá A Cidade Das Sombras!

Restam apenas dois dias para findar o mês de novembro de 2011. Minhas recordações me levam para lugares remotos e incomuns na minha alma alada. Vejo-me nas terras de Quixangá, onde passei dias amenos e outros tantos dias tenebrosos. Logo eu aprendi que a vida não é feita apenas de coisas boas. Há dias de luz e outros de trevas densas. É na escuridão que o mundo parece perder a beleza e os homens defrontam-se com os seus medos mais tórridos e horripilantes. Na escuridão habitam os sonhos que ainda não nasceram. Ela é como um buraco negro que oculta a aparência das coisas. Um manto sombrio que anula o olhar de quem deseja ver o outro lado da luz.

A palavra escuridão vem do latim, tenebrosu, e a palavra sombra vem de umbra para falar de um fenômeno que a física define como “uma região escura formada pela ausência parcial da luz, proporcionada pela existência de um obstáculo”. Há um obstáculo para o olhar, quando o coração não vê a luz do amor. Sem amor a vida é buraco negro, escuridão em volta de tudo. A Psicologia Analítica diz que nossas sombras são arquétipos,  nosso ego mais sombrio. O nosso lado mais obscuro. Não bastassem as trevas de fora ainda temos que lidar com as de dentro. Aquelas que segredamos entre o céu e a terra bem como aquelas que nos segredam sob o manto de um luar quebrantado. Vasta escuridão de um inconsciente que ilumina as incertezas. Assombra-me saber que em mim, habitam lugares escuros, escusos, opacos feito habitação de morcegos. Obscurantismos meus e de todos nós.

Os felinos caçam na escuridão; seus olhos são forjados para ver à escuridão. Eu aprendi a enxergar no escuro. O tempo me arrancou os obstáculos da retina e minha alma caça em certeza aluna. Sou caçador de versos na escuridão do pensamento. Procuro as flores, ante o obstáculo da luz. A luz em mim é abrigo, e meu ambrigo abriga o sol. O sol em mim é saudade, posto que a noite sempre vem. Há dias que parecem noite.

Quando criança eu brincava com a minha própria sombra. Era quando eu fica entre a luz e a escuridão. As sombras nascem quando se bloqueia a luz. Quando nos interpomos à luz, parimos sombras. As sombras dançam, ficam disformes, caminham e vergam-se. Sou mera sombra quando o objeto refletido é o amor. Memórias minhas nas parede feitas de afetos como corpos de uma maternidade que reflete o tempo, o vento e a saudade. Eu fiz sombras nas paredes da esperança e como sombra andei brincando de erigir os mundos dos meus sonhos.

            Ainda me lembro da ludicidade de dias turvos, junto aos meus irmãos, quando fazíamos o nosso circo das sombras. Quando envidavamos multiformes animais nas paredes do quarto, com as mãos. Imagens fugazes, ligeiras e dóceis. Isto acontecia quando a noite não nos dava a sua luz. No lugar do medo, da solidão e da superação da mesmice. Estávamos à luz de velas. As velas existem onde as lamparinas se emudecem. Foi Confúcio quem disse, “Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão”.

Eu e minha irmã criávamos o nosso teatro de sombras com vozes e batalhas viscerais. A fauna e a flora eram nossos objetos sombrios mais freuqentes. Quando fartavamo-nos da lucidez das sombras sorvíamos as nossas próprias acolhendo o mistério. Éramos felizes à sombra e à escuridão. Eu amava quando os apagões aconteciam em Quixangá; tudo mudava à nossa volta. Os labores comezinhos quedavam silentes. Os afarezes do varejo da vida paravam, os eletrodomésticos se calavam, os corpos inseguros, limitavam-se e a casa outrora distante se tornava escuta. A oitiva do amor se dava na escuridão.

O medo de, sei lá o quê, dominava a todos, e não raro, eu, minha mãe e meus irmãos, ríamos a valer. Surgiam ali os contos e cantos mais gostosos. Somente a alma podia ver o que os olhos já não podiam. Eu via a minha mãe protegendo a cria enquanto sorvia em silêncio os seus próprios medos. Os nossos corpos se aninhavam às suas asas e a sua cama se tornava o lugar mais tenro do mundo. havia alegria e casa e uma algazarra na rua, medo exalado de outros corpos que corriam a procura de seus lugares mais seguros. Felizes os que tinham para onde ir. Alguém gritava: “foi geral!”, mas eu ainda ignorante quanto ao significado daquela repentina escuridão, compreendia que tinha sido “Geraldo”. Entretanto, o único Geraldo que eu conhecia, era meu amigo e ele jamais faria aquilo com a gente. O Geraldinho, jamais! Dizia eu. No fundo, eu ficava um pouco grato, embora intrigado, a ponto de um dia me dirigir até ele para agradecê-lo, por apagar de vez em quando a luz da minha rua, e este, sem entender nada, sorria.

Eu tive vários circos de sombras ao longo de minha infância. Na roça, à luz do lampião, nas cidades à luz de postoes e lâmpadas encandecentes, mas nenhuma me marcou tanto quanto à que vi na casa de D. Fulor, amiga da minha mãe. Sempre que podia a minha mãe visitava a sua casa. Sem portas e sem janelas, sem luz elétrica, zona urbana, possuidora de parcos recursos. Era uma casa abandonada. Ela trabalhadora, mulher forte, nordestina, cercada pelo amor de seus filhos, com os quais eu brincava nas horas que passávamos ali. Minha mãe os conhecia e dizia sempre a mim que estva falando do amor de Jesus para eles. Ainda me lembro da pequena Lúcia. Seu olhar altivo, brincando, parecia feliz em meio às ruínas. Seus irmãos ao pé de sue velho pai, doente, tuberculoso, deitado sobre papelões.

          Platão tinha razão, “podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”.

Eu não sabia o que era tuberculose e suspeito que aquelas crianças também não. Juntos, a noite, íamos para o quarto do seu velho pai que tossia fortes rajadas de sangue, para fazermos o nosso circo de sombras. Pombos, borboletas, onça, cachorro e macaco eram nossas imagens mais preferidas. Enquanto nos distraíamos distraíamos aquele homem solitário que morria aos poucos na escuridão de si mesmo e da pobreza.

Eu não imaginava que a minha mãe levava a luz para as suas almas, naquela escuridão existencial. “Vós sóis a luz do mundo”, disse Jesus. A minha mãe era portadora do fogo, da luz e de fagulhas de esperança. Aquele homem veio a falecer, como falece a luz de uma vela, ao passar dos dias.

A família de D. Fulor recebeu a Luz do evangelho de Jesus Cristo e somente mais tarde, muitos anos depois, foi que eu encontrei a pequena Lúcia, não mais uma menina, mas uma mulher, mãe de filhos, pastora e casada com um pastor, sendo ela mesma, luz para muitos. Foi assim que um dia eu conhcei a força de uma amizade. Eu venho de muitas cavernas. É na escuridão que se faz o homem. Os poetas são rupestres. É na escuridão da vida que nasce o filete de luz, fio de prata, alva cor de um azul que rompe o breu. É da penumbra do ser que nasce a arte, a poesia e o amor. Em meu ser, a escuridão é saudade. É caminhar à luz da lua, é lugar de contos e prosas agradáveis. De que servem as fogueiras sem o mistério da noite? Do que valem as luzes das cidades se o amor que cala o medo já não se pode sentir? “Os verdadeiros amigos são como as estrelas no céu. Eles são mais claros nos tempos de escuridão”, disse Ana Carolina.
           Tornei-me adulto, cresci e hoje vou lidando com as sombras do circo de sombras, que este mundo faz a gente imaginar. Sombras, tudo não passa de sombras de uma luz que insiste em iluminar os homens que se escondem atrás das coisas sem formas e vazias. Em Quixangá as paredes tinham vida durante a noite. Por favor, o último que sair apague a luz, eu insisto em ver a lua. Não me roubem dos olhos o luar.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Quixangá, O Lugar Dos Meus Sonhos!


Os dias não eram os mais dóceis da minha vida naquele inverno. Mas o inverno exerce um poder de transformação sobre os meus sentimentos. Tudo é mais florido, poético e possui um leve toque de nostalgia. No inverno, o amor floresce em mim. A cidade de Quixangá, como o Davi de Michelangelo, se erguia imponente, ante o meu imaginário fértil. A sua beleza e tessitura franziam o meu olhar como o de uma criança feliz.
 Bem certo que eu já não era mais uma criança no corpo, mas a alma insistia em não seguir os caminhos da maior idade, tampouco suas rugas, defeitos e idiossincrasias. Eu morava no sótão do prédio de uma igreja que me acolhera a mim e a outros clandestinos que ali, tentavam vencer a draconiana vida que lhes sugavam o sangue das veias, naquela terra de aperto e solidão. Como eu, eles sangravam a conta gotas. Fazia frio naquele tempo e ainda assim, a cidade permanecia bela. O meu olhar continuava o mesmo, do adolescente que florescera para o mundo, naquelas ruas que portavam em si um encanto sem igual de dias idos.
Éramos quase doze homens. Todos distintos com traços peculiares e de regiões diferentes do nordeste. Aquilo era uma verdadeira babel nordestina. Não falávamos a mesma língua, por mais que tentássemos. Além da diferença dos nossos sotaques, o palavreado era troncho e desengonçado e, padecia de tradução simultânea ou alguns verbetes se afogariam na incompreensão. A pobreza, o cheiro agreste de tolhas mal enxutas, pés de atletas e de gases malditos de corpos extenuados e combalidos de homens vencidos pelo suor do sofrimento e das labutas diárias, notavam-se de longe.
Somente depois de muitos golpes odoríferos e a muito custo, uma alma comum suportaria a fedentina de cabras que se sentia por ali. Entretanto, se a catinga nos expelia daqueles homens resistentes feitos mandacarus do deserto, a alegria, a amabilidade e alma poética que possuíam, nos atraía inexoravelmente para as narrativas de seus mundos, circos de pulgas, lugares encantados onde amealhavam felicidades e transcendiam com sorrisos e singeleza. Eu gostaria muito de honrá-los aqui, citando seus nomes, descrevendo suas fisionomias e características, mas temo que hoje, já livres da vergonha à que estavam submetidos, naquela senzala de brancos e negros, pobres e nordestinos e de gente de outros brasis, ali representados, sintam-se feridas por lembrarem daquilo que talvez hoje tentem esquecer. Para a mim a vergonha transformou-se em vergônteas, a final, a primavera não demoraria chegar. Eu aprendi logo cedo, a colher em terra infértil. O lugar era lúgubre, sem janelas arejadas e um tom azul dos vitrais coloria nossas humildes faces. Como os pardais e as andorinhas da poesia do salmista eu, entre eles, “encontrei casa nos altares do Senhor”.
Ali vivi por quase um ano. Volta e meia eu acordava ao gemido de alguns deles, recolhidos, fragilizados e aterrados sob seus também indigestos cobertores; choravam ao lerem cartas de suas respectivas famílias distantes, ou dos seus amores platônicos, remotos ou mesmo, por alguns infortúnios ou desventuras que lhes sobrevinham de assalto, em meio à sofreguidão, levando-os a orações e genuflexões profusas. A gente não só repartia o pão ou a fedentina agreste do quarto, mas também a alegria, as lágrimas e um sobranceiro sentimento de orgulho por sermos nordestinos, paradoxalmente fortes. As melodias que nos circundavam eram das mais tocas às mais rebuscadas. Em algum lugar bem abaixo de nós, se ouvia martelos retinindo sobre ferros, esmeril afiando e cerras cortando estridentes, sob um vozeio indistinguível. Quando essa sinfonia sossegava, ouvia-se o radio de pilha tocando melodias de canções sertanejas e logo mergulhávamos em um silêncio profundo, sepulcral.
        Foi num dia como esse que eu recebi uma vista estranha. Nada divina. E se diabólica, o medonho escondia-se atrás de dois sorrisos branqueados. Os donos dos alvos dentes vieram convidar-me para um passeio, logo mais a noitinha. Ingênuo. Totalmente desligado das malícias dos homens, concordei com o mais insólito tour da minha vida. Eram duas figuras intrigantes. O Ferraz e o seu capataz, Guerra. Ambos eram boas almas. Os homens apenas lutam por aquilo que acreditam ser verdade. As minhas verdades naquele tempo andavam rareando. Sem sol, sem terra, sem teto, sem futuro, dono de um passado amargo e possuidor de um presente incerto como as chuvas no sertão, eu seguia por ali, sobrevivendo e revivendo, revirando as minhas próprias cinzas, as cinzas de mim mesmo. Eu era uma espécie de fogueira velha, que nunca se apagava, mas que não dava fogo suficiente para aquecer a nada nem a ninguém. Um pavio que fumegava por mórbida insistência.
        Na hora marcada aquelas duas almas horripilantes despontaram na escuridão. Eu segui-os como uma ovelha levada para o matadouro, sequer desconfiava do fel por trás daquele mel aparente. Às vezes, uma taça de mel contém um mar de fel. O falante capataz abriu a porta de um carro branco lindo, novo, ainda com os plásticos que traziam da loja. Eu nunca houvera entrado num carro daquela marca e pouca gente no país talvez houvesse, visto que acabara de ser lançado. Assentei-me no banco da frente e sob um bombardeio de falsos sorrisos e indagações lancinantes, eu fui observando as ruas arborizadas de Quixangá.
        Os meus olhos nunca mais veriam aquela bela cidade da mesma maneira, haja vista o meu estertorar constante, pois notava que de chofre, os meus exatores desferiam golpes duríssimos, por algo que eu sequer compreendia a causa. Selamurdo e defendendo-me das flechas agudas; monossilábico, eu seguia olhando para os prédios do lado de fora, e volta e meia encarava-os em meio à escuridão interna do veículo vendo os seus olhos afogueados.
        Seguimos para um restaurante num bairro nobre. Não me lembro o nome. Comi espaguete ao molho, cremoso, seguido de uma sobremesa russa, chamada Charlote. Degustação impecável com desprazer implacável. Custou-me caro tal sabor. Não me refiro a dinheiro. Primeiro, porque eu não o tinha mesmo e, segundo, porque ainda que me virassem de cabeça para baixo nada sairia. Contudo, a alma foi abalada.
        Fui apanhado de surpresa, no meio do processo. O que eles queriam? Vou contar agora. Queriam mostrar-me a glória que um deles possuía. Foi o que eu notei em seguida. Saímos do restaurante. Eu não sabia onde estávamos.
        Perdido, numa cidade grande, dentro de um bairro extremamente nobre. Tudo naquele sujeito, o motorista, a quem chamo de Ferraz que me ferroava em silêncio, era de ouro. O relógio, um anel, a pulseira e até alguns dentes. Entretanto, seu porta-voz, era mais falante e sem ouro algum. De ouro, em mim, só os sonhos.
        Eu lutava para entender a razão de tudo aquilo, mas a minha cambaleante memória, enfraquecida à fome, vencida pelo cansaço e domada pela pressão à que fui submetido naquelas horas, ficava difusa, confusa e parafusava-me tentar compreender. 
        – Você está vendo aquele restaurante ali? – indagou-me, apontando para uma finíssima e requintada estrutura, passando bem devagar pela frente, para que eu não perdesse um só lance.
        – Sim! – respondi bestificado.
        – É meu! – falou o antes calado sujeito de face nublada e misteriosa.
        Um minuto depois.
        – Você está vendo aquele apartamento ali, naquele prédio de dez andares? – prosseguiu ele, sobranceiro. Eu, porém sem nada entender me mantive calado, assentindo com a cabeça.
        – A cobertura é minha. – disse ele com arrogância contumaz enquanto o infeliz do capataz ria-se da minha sorte.
        Um minuto e meio depois.
        – Você está vendo este outro restaurante? – falou com ar de gladiador vencendo.
        – Também é meu! – disse-o, enquanto seguia na mesma avenida para o seu próximo imóvel e imóvel eu quedei aturdido.
        Luzes por todo lado, glamour arquitetônico, carros de marca internacional, modelos inebriantes e à minha volta ouvia-se o clássico Requiem de Verdi. Passei quase uma hora vendo as riquezas daquele jovem rapaz ao lado do seu seguidor. Ao fim da sua exibição nababesca, narcísica, ordinária e peniana, o gladiador, tomou a estrada rumo ao meu lugar, morada. Rumo ao meu mundo de homens invisíveis. Um nordeste logo ali; sertão tão preso ao sótão, perto do altar de Deus, onde pobres almas se escondiam das chuvas, dos sóis e das noites frias a sós.
        O carro estacionou e o golpe de misericórdia não demoraria. Razão de ser de todo o percurso, jantar, visita, tour, exibicionismo e desta anacrônica narrativa.
        – Sibério! É esse seu nome, não é? – interpelou zombeteiro.
        – Não, meu nome é Robério. – disse isso já sem o sinto de segurança, ansiando fugir daquela desdita. Mas não o faria sem saber a causa.
        – Robério, eu queria que você soubesse que eu soube que você foi almoçar na casa da família Toscana e que uma jovem dos Toscana, anda inclinando-se afetivamente para o seu lado. Eu quero que você saiba que isso tem que acabar, é só um recado. Eu gosto dela e não quero saber de sua amizade com essa família. – disse ele, tartamudeando, mas disse-o. Admirei sua coragem, mas pasmei-me com a injustiça.
        Eu não sabia que toda aquela encenação era uma mijação, micção para os fartos no vernáculo, pura demarcação animal de um território. Os meus opositores eram como bestas feras demarcando o território, como quando lutam por uma fêmea. Urinado, alarmado, humilhado e sem palavras, calei-me.
        Verdi ainda tocava, mas quem mais queria saber daquela música àquela altura? Como um bom nordestino, eu não sairia sem dar o troco. Mas como? Falar o que? Contudo, antes que eu tentasse qualquer articulação, sobreveio-me mais um duro golpe.
        – Onde você mora? – ele indagou, ao som dos risos hieníferos do meu algoz assentado na traseira.
        – Eu moro aqui, na igreja, no sótão. – eu no fundo queria omitir aquilo, mas eles estavam dispostos a irem até ao inferno para me derrotarem naquela noite, o que implicava me levar junto.
        – Você mora na igreja? De favores? Não tem família aqui? – o bombardeio foi cruel, entoado por um sarcasmo hostil, sem brandura alguma.
        – É eu moro aqui. Sim, de favores e minha família mora na Bahia. – falei isso gaguejando com uma dor profunda na alma por sequer saber o que dizer, senão a verdade.
        – Esqueça que ela existe. Você não tem nada para oferecer a ela nem a sua família. E por favor, não esqueça a cor da sua pele. – disse-me, o vencedor altissonante. 
        Do lado de fora, sem força, sem rumo e com frio de doer na face, encontrei força dentro da alma para dizer-lhe as últimas palavras.
        – Eu sou possuidor de uma única coisa, e julgo que mais importante que tudo o que você me mostrou essa noite. Eu tenho um Deus Vivo; ele é santo e bondoso para comigo. Ele é minha família, meu Pai e meu Provedor. Eu não sou nada mesmo, vocês têm razão, mas ele me ama mesmo assim. Deus abençoe vocês! E obrigado pela noite divertida e pelo jantar maravilhoso.
        É certo que eu nunca havia ouvido Verdi, foi ali que o conheci, tampouco jamais comera espaguete verde. Nordestino pobre come é macarrão amarelo que amarela os dentes, enche o sangue de açúcar e engorda o bucho. Saí extenuado com uma profunda sensação de derrota. Subi as escadas para o sótão, abri a porta e entrei nas pontas dos dedos. Aos prantos, a alma doía uma dor que senti muitas vezes pela vida. No escuro, de joelhos e gemendo, ali fiquei até umas quatro horas da madrugada. Deus em silêncio, a mente confusa revisitava os espaços vistos, o coração dorido e o mundo rodando à minha volta. Dos vitrais uma luz azul suave emanava, vinda da luz da madrugada, escondia o meu corpo ali franzido e franzino. Eu era a minha própria dor e a minha dor eu era. Eu sabia o quanto a Toscana me enchera os olhos, e o sabia também, o quanto se mostrara afeita àquele nordestino lânguido, alegre e tímido.
        Mergulhado em minhas lágrimas eu adormeci e adormecendo sonhei. Deus velava por mim no escuro. Eu aprendi a ser iluminado pela luz que vem da escuridão, e aprendi a enxergar no escuro. Aprendi também que Deus habita nas trevas. O sentia sentado ali, do meu lado, sem vê-lo. De repente, eu me vi andando numa praia de areias claras, alvas como a neve. Não era neve, era areia. Um nordestino pode não conhecer de neve, mas de areia o sabe muito bem. Um mar calmo e um navio enorme ancorado. Eu já não sabia se o navio ancorava o mar ou se este ao navio. Entretanto, o que me chamava à atenção não era o navio, mas os golfinhos que nadavam como que se se comunicando comigo e me conduzindo para algum lugar que eu desconhecia.
        Foi quando eu avistei uma mesa, in natura, madeira de lei, enorme. Havia um banquete preparado sobre a mesma e gente de várias etnias, línguas e nações assentadas. Eram pares. Casais felizes, sorridentes. Ali, logo notei que os golfinhos desapareceram. Eu me ative aos sorrisos e aos lugares. Agora eu procurava o meu lugar. O avistei, mas eu estava só. Daí, vi um banco vazio e ninguém à minha frente estava assentado.
        Daí, eu acordei tomado por uma paz profunda e pelo calor da presença de Deus. De joelhos eu estava de joelhos eu fiquei adorando. Em seguida, decidi ler a Bíblia, sob a réstia da luz da manhã que se aproximava ao som do cantar dos galos da vizinhança, galos que despertavam manhãs com outros galos.
        Jeremias 16.1-2. Foi o que aquela voz me disse, retumbante dentro da minha alma. Ai eu deparei-me com o texto que dizia: E veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Não tomarás para ti mulher, nem terás filhos nem filhas, neste lugar”.
        Daquela hora em diante, nada para mim era mais precioso que o amor do meu Senhor. A sua voz suave me acalentou e, semelhante a um menino feliz, eu saí para a vida. Aflorei para mim mesmo, visto que havia murchado. A vida urge para todos lá fora. E para mim, ela se fez lugar onde a ternura persiste ante as agruras. Onde o menino frágil conta sempre com a presença e intervenção de seu irmão mais velho: Jesus Cristo. Nunca despreze as lições de vida e tampouco o modo como Deus fala para nos levar ao centro da sua vontade. Quixangá é cidade onde aprendemos a extrair da fraqueza a força. Haverá sempre uma Quixangá por perto, aqui, ali ou além. O fato é que temos que ser fortes. Como disse Che Guevara: “Hay Que Endurecer, Pero Sin Perder La Ternura Jamás!”
        Deus cuida de você, não importa a escuridão!    
             
             

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Poetas, Teias E Aranhas!



Uma aranha solitária tece os fios de sua teia transparente.

Produz em silêncio a sua eterna morada.

Ela segue os seus instintos; repetição de dias idos.

Memórias recentes de lições vividas no passado.

Uma aranha tece seu mundo entre outros mundos à sua volta.

Esmero de quem vive por um fio, pendurando-se entre o céu e a terra.

Aranhas vivem entre abismos.

Suspensas por ai alinhavam suas casas, redes de finas linhas.

Os poetas são aracnídeos, posto que, vivem entre abismos.

Suspensos, fazem das palavras teias sensíveis.

Casas suspensas onde habitam as palavras tecidas como forma de existência.

Resistência de quem vive entre abismos na alma.

De quem por um fio sustenta a vida e o amor ante a eternidade.

Os poetas são efêmeros como efêmeras são as aranhas.

Sobem,

Escalam,

Descem,

Alinhavam,

Costuram,

Tecem.

Entre um vão e outro deitam suas teias, palavras e sonhos.

É no V do vão que se faz entre a realidade e a imaginação que os poetas existem.

Eu tenho tecido minhas teias entre o sol e a lua.

Inscrevo-me poeta aracnídeo, pois por um fio soergo-me entre os céus e a terra.

O fio de um pensamento sustenta-me na leveza do ser.

E sendo, faço minha casa entre as estrelas.

Um fio na noite, outro no dia.

Um traço e nos trópicos deito as linhas dos meus sonhos.

Aqui suspenso e de cabeça para baixo, mergulho na essência das coisas.

Elevo-me e logo descubro a rede que minha esperança alçou entre muros.

Minha poesia é teia que aprisiona insetos pretensiosos e desavisados.

Todo poeta é abrigo para a alma que sabe amar as palavras.

Quero ser poeta que constrói abrigos entre os sonhos, o amor e a eternidade.

Os poetas escrevem,

Alinhavam,

Tecem,

Tramam,

Bordam,

Tricoteiam as palavras como teias.

Cada fio ligado à alma quer dizer o que só a alma diz.

Suspenso nas palavras, os poetas se inscrevem construtores de mundos.

Entre abismos,

Por um fio,

Mas com as linhas se traduz numa morada eterna, efêmera e abissal.

A aranha solitária continua ali, tecendo em silêncio.

Coração Oceânico!




Amar o mar é amar o mundo, a vida e os sonhos.

Se a terra é o planeta água o mar é lágrima de Deus.

Os deuses também choram mesmo quando alegres.

Para mim o mar é profundidade,

É largueza,

É mistério.

O mar pare os riachos, os ribeiros e as corredeiras.

Minha alma oceânica quer do mar o pôr-do-sol.

Quer a lua que alumia o véu da noite coberto de estrelas.

Do mar eu quero amar o manto azul do céu refletido.

Quero as praias e as areias que abrigam segredos.

Do mar eu quero a brisa e o som das ondas irrequietas.

Eu quero as baleias e os cardumes belos e coloridos.

Amo as baleias porque maternas e meigas.

Livres, levam seu canto mundo e mar afora.

Bebem o oceano sem temor e brincam na obscuridade do tempo.

Meu mundo é mar de amor ao mar e ao mundo.

Travessias minhas em jangadas leves entre abismos.

Meu coração é oceano e meu desejo é cais no porto da saudade.

Minha poesia é aventura em verso sobre as águas turvas do anelo.

Mergulho entre as pedras lisas e corais de águas cristalinas.  

A poesia em mim é como correntes marítimas que seguem para o sol.

Amo o mar porque abriga o homem, as gaivotas e as esperanças minhas.

Do mar eu anseio a linha do horizonte, ali onde o céu se funde às águas.

Lá onde o olhar descansa sua fraqueza e já não vê além.

Fundo multicor que asila arco-íris solitários. 

Eu quero as águas batendo nas rochas.

Eu quero os pés molhados ao lado de outros pés felizes.

Sim, do mar eu quero a exuberância e a beleza.

Sem o mar poesias morrem afogadas no pó.

O mar e os poetas coabitam os sonhos encantados.

Poetas bons são oceânicos. Profundos e insondáveis.

Poetas são aqueles que molham seus poemas nas águas de marés vazantes.

Eu sou poeta do mar e de amor profundos.

Quero ser poeta que ama o mar e, para quem,

Amar é a mais nobre travessia; a mais bela.

Sou poeta de marés de manhãs frias e chuvosas.

Meus poemas são o olhar que anela o outro lado sem nunca chegar.

Um lugar azul para se sentir saudade.