O farrapo na sarjeta é um homem.
É humano o farrapo na sarjeta.
O ser humano é aquele que possui um polegar opositor.
Antes de estar na sarjeta, ele estava num bar.
No bar escondia-se atrás de um copo transparente.
Com o seu polegar opositor segurava o copo da cachaça que bebia na transparência.
No copo estava destilada a cachaça brasileira.
A cachaça é um produto da nossa indústria.
Fruto da nossa agricultura.
A indústria do alimento que alimenta o mercado.
Mercado é o lugar onde agentes econômicos trocam bens de consumo por uma unidade monetária ou por outros bens.
Uma dança entre a oferta e a procura.
O ser humano feito farrapo na sarjeta está embriagado.
Neste país as pessoas se embriagam por motivos reais, às vezes.
No caso do homem da sarjeta: o desemprego, a exclusão e a fome.
O mercado de onde ele vem e para onde todos vão, é capitalista.
Portanto, para aquele farrapo, feito ser humano na sarjeta,
Nada no mercado lhe cabia; nem a oferta nem a procura/demanda.
O homem da sarjeta é um operário, vítima de um sistema capitalista selvagem.
"Capitalismo é o sistema sócio-econômico em que os meios de produção são distribuídos de forma privada, visando o lucro e os direitos dos indivíduos".
O ser humano na sarjeta foi banido do sistema sócio-econômico do Estado.
Quase não é reconhecido nem como indivíduo, nem tem os seus direitos preservados como ser humano.
O farrapo jogado na sarjeta é um cidadão.
"O Estado é a instituição responsável pela organização e controle social da sociedade".
"Sociedade é o conjunto de cidadãos que compartilham propósitos".
Portanto, a sociedade é formada de seres humanos que não desejam ser farrapos.
O farrapo na calçada é um cidadão que não compartilha dos propósitos da sociedade, nem do Estado em que vive.
Portanto, um zero à esquerda.
Ele vota.
Ele crê em Deus!
Mora num barraco.
Toma ônibus lotado.
Sem dinheiro! Sem educação e sem alegria!
Acreditou na Pátira! Sua única culpa!
Ele tem um nome.
Seu nome? Já ia me esquecendo. O seu nome é José!
E agora José? Indagou o poeta.
O José em questão, é o homem feito farrapo, cidadão, operário, capitalista e membro da sociedade "amparada" pelo Estado onde vegeta.
José tem uma família e esta, também excluída, sequer imagina que o mesmo se abriga da chuva sob uma marquise na sarjeta.
José é brasileiro, do mesmo país onde se produz o petróleo, a cana-de-açúcar e a cachaça que o alivia da angústia de ser brasileiro e do risco Brasil.
O termo brasileiro cunhava-se para aquele que trabalhava na extração do pau-brasil.
Do Brasil para José só restou o pau.
O farrapo chamado José elegeu a partidos e políticos, mas estes o esqueceram.
Agora, quem está partido é o José e, na rua; como políticos, cães lambem sua boca sem se importarem com a vida do farrapo José.
José destila em si mesmo o produto que eleva a economia e as riquezas brasileiras: o álcool.
Emblematicamente José é um marketing em pessoa de que o país do biocombustível tem também uma boa cachaça.
Mas o é também, de que seu país é injusto, desigual e hipócrita.
Mas quem se importa?
O Brasil fabrica os Josés que alimentam os cães.
Há outros Josés lesados pelo país afora: sacizeiros, alcoólatras, fumantes, aposentados, inválidos, mendigos, favelados, violentos, deficientes e criminosos.
Enquanto dorme, na sarjeta, José sonha um dia dar à sua família uma vida melhor.
Sonha José! Chorar para quê?
Usa o teu polegar opositor para te levantar, ou do contrário, ficarás prostrado para sempre em terra. Nessa terra adorada! O país mais caro do mundo!
Na terra que tu chamas de "Pátria Amada, Brasil"!
José dorme na calçada. A sorte é que José ainda dorme!
Silêncio! Não podemos incomodar o seu sono.
Caso acorde voltará para o bar e o copo: seu único bem de consumo que o consome.
Amanhã ele acordará para país nenhum!
Pasmem-se! O ser humano, farrapo, bêbado, consumido, desempregado, faminto, excluído e esquecido pelo Estado, na sociedade capitalista é o José: cidadão brasileiro.
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