domingo, 16 de janeiro de 2011

Traças e Tranças

  
Eu odeio as traças, pois devoram a tudo que é literatura.
Vi alguns dos meus prediletos traçados no último banquete.
Senti uma dor fulminante. Eram livros ainda não lidos, clássicos.
Sofri, resmunguei, padeci e me dei à reflexão.

Pensando bem, eu não as odeio tanto assim,
Visto que, de certo modo, passam certa sabedoria.
Refiro-me a um tipo de sabedoria que os livros não podem oferecer.
As traças comem os livros. Devora-os sem lê-los.

Ler livros não é sua especialidade. Exterminá-los sim.
As prateleiras enganam, enquanto as coisas envelhecem.
Ai bem ao lado, um misterioso ser finito e minúsculo vence a anos de labor.
Do que valem os livros não lidos?

Para que servem os livros que enfeitam estantes?
A vida exige uma dinâmica, pois a vida é dinâmica.
Todas as coisas estão em processo dinâmico de morte.
Não existe a securitati perpetuae para as coisas daqui.

Os livros morrem como morrem os homens e as traças a isto denunciam.
Assim, eu vi o saber corroído. Assisti a traças deglutindo os imortais.
Vi grandes autores devorados por bichos e ignorados por homens.  
As traças traçam a tudo que trançam seus desejos ao tempo em sua fuga mortis.

Acho que elas têm razão, os livros precisam ser devorados.
Como devoradas precisam ser as horas e a arrogância dos homens.
O cheiro de morte que vem dos livros alimenta as traças que anunciam a natureza visceral das coisas.
E a decomposição destes, me avisa que preciso viver e escrever minha história.

Nada é para sempre.
Tudo o que existe será devorado. O tempo é como a traça, a tudo devora.
Há traças para tudo o que se chama volúpia e existência debaixo do céu.
Tudo no mundo é transitório, temporal e frágil, como frágeis são as traças, os homens, os livros e as flores.

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