sábado, 1 de janeiro de 2011

Travessia


Hoje é primeiro de janeiro, o primeiro dia do ano.
Dificilmente acontece num sábado; um Shabat completo.
A mesa ainda repleta da culinária da sexta e a alma adejando.
Esse parece ser o nosso mês de Abibe, um Pessach perfeito.
Nos umbrais da porta a marca do sangue, o selo da Aliança.

Um Cordeiro foi morto, nossa Páscoa.
O fato é que um cordeiro é sempre morto na dor de alguém.
Ervas amargas, sabor da aflição de ontem,
Lombos cingidos, um pouco de dignidade no êxodo.
Pés calçados, sinal de que a estrada é longa,
Cajado na mão, para apoiar as pernas cansadas de esperar.

Sinto que minha alma quer sair do exílio,
Mas o mar ainda está vermelho,
E os caminhos se abrem em silêncio longe do olhar.
O anjo da morte passa por cima, salta,
Pura graça de um Deus que sabe amar os que crêem.
Onde há graça, primogênitos não morrem, nem mães são partidas na alma.

Um grito se ouve no Egito, é a dor dos sem a Marca na porta.
Marquei meus umbrais com o sangue,
Sigo, rumo ao novo mundo do outro lado do mar.
Um Sinai me espera e livre espero a Canaã.
Quero deixar para trás a glória do Nilo para tirar água da rocha.

O Deus da liberdade é possuidor do Sol,
É nômade, convida ao deserto e nele faz Sua morada.
Minha alma é nômade e faz do Sol seu lugar abrigo.
Sou poeta da poeira e no pó descanso minha humanidade.
Sou como os beduínos, escondo oásis onde há amor.


Amanhã é domingo, a ressurreição é certa.
A vida que se fez flor floriu no túmulo.
Uma flor eclodiu solitária entre os poderosos,
entretanto, só os pequeninos a perceberam.
A cruz calou-se para dar vez ao cálice e aos lençóis dobrados.
O Cristo, cordeiro de Deus, anuncia a reconciliação.  


Vou seguindo silente a trilha das estrelas,
Não tenho pressa de chegar,
Para onde vou nada é mais instigante que a travessia.
Se Tu estás comigo Senhor, caminhar é o bastante.
Se Te sou anelo, quero ser-Te afeto,
E nós dois, vamos tecendo o fio de prata da vida até fundir-me a Ti.

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