Quando criança eu imaginava que fumar era algo impressionante.
Com o tempo, fui descobrindo que sim, era de verdade.
Eu via as pessoas esbaforidas, baforando a fumaça pelas narinas.
Verdadeiras neblinas cobriam suas vidas e enchiam seus olhos.
Aromatizavam o mundo com seu cheiro asqueroso.
Eu fico impressionado em ver como as pessoas ignoram abismos.
Elas escondem seus corpos aflitos e tensos na fumaça.
Dissipam as horas ingerindo mais de 490 letais produtos químicos.
Eu compreendo que a ansiedade da alma escraviza o corpo às futilidades.
Quem fuma um cigarro, fuma-se, estraga-se.
Consome-se paulatinamente, enquanto enche o peito de fumaça.
Com o passar do tempo o nervosismo do corpo assimila o vazio.
A alma fálica, como tal que é, deseja o seio materno, mas este não vem.
O pulmão saudoso por ar puro sorve a nicotina e torna-se absinto.
O câncer, tragando tudo, traga a vida.
A intoxicação da garganta draga a volúpia.
E o homem decantado, esgota o pote.
A perda da fala, mera distração.
Configura-se como resultado de uma nefasta relação com o tabaco.
As pessoas fumam porque se sabem vício.
No carro, na rua,
Nos restaurantes, nos bares,
Na sacada.
Que sacada! Fumam ainda no trem,
No ônibus e vivem por ai, absortas à procura de um ninho.
São aves presas num alçapão da ansiedade.
As indústrias tabagistas são verdadeiras máquinas de guerra.
Insensatez em forma e estilo de propaganda enganosa.
Pintam, colorem, disfarçam o demônio com promessa de liberdade.
E em silêncio matam os seres humanos precipitando-os na vala.
Alguns fumam por prazer, é o que dizem.
Outros por necessidade, outros por patologia.
E ainda há os que se sabem dominados, sem mais nada poderem fazer.
O cigarro paralisa o ser humano com o tempo.
Do modo que a maria-fumaça que chega ao fim da estação, assim chega o tabagista ao fim.
Mas como disse Fernando Pessoa ás pessoas em sua Tabacaria:
“saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos,
Sigo o fumo como uma rota própria, e gozo, num momento sensitivo e competente, a libertação de todas as especulações e a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de se estar mal disposto (...)
E continuo fumando enquanto o Destino mo conceder,
Continuarei fumando (...)”.
Doce ilusão é a propaganda do cigarro por onde se dá.
Quer na poesia, quer na prosa ou na TV, distorção:
Desportistas correndo, ledo engano.
Homens bonitos em cavalos selvagens.
E o anúncio de charme, auto-afirmação, prazer e liberdade.
Além das doenças para o corpo a cela da nicotina aprisiona a alma.
Conheço muitos fumantes que não se sabem livres.
Sobe a fumaça, enquanto vive a angústia.
Sorvem a angústia os que acendem a morte.
Abrem seus túmulos sem arrefecer.
O mais instigante dos fumantes é a sua necessidade de fazer o outro fumar com ele.
Fumar só parece ser uma atividade deprimente.
Tornam-se fumantes passivos os que se avizinham das chaminés ambulantes.
Compulsoriamente são mergulhados no fumegar constante dos compulsivos.
Na roça fumava-se cigarro de palha,
Na cidade usam os cubanos,
Charutos roliços perfumados.
Nas lendas usam cachimbos, coisas de sacis e cucas.
Nas índias preferem os narguilés.
Tornam-se fumaça os que a produzem.
Há os que querem fumar o mundo.
Não bastasse fumarem suas próprias vidas, ainda fumam suas casas, dinheiro e tempo.
Com o tempo passaram a fumar a fumaça do demônio.
Antes era o fumo de corda, agora até pedra fumam e amarram uma corda ao pescoço.
Não é o homem que consome o cigarro, mas o cigarro ao homem.
Consumindo-se, ambos desaparecem na fumaça.
Quem fuma consome-se a si mesmo e aos que o amam, na morte.
Entre os dedos, o homem porta a morte na ponta de um cigarro.
Dizem que fumar é prejudicial à saúde,
Mas quem se importa?
Se os de qualidade nada valem imagine os clandestinos.
Como disse Drummond em Resíduo,
“De tudo ficou um pouco,
Do meu medo. Do teu asco. (...)
De tudo ficou um pouco,
Da ponte bombardeada,
De duas folhas na grama,
Do maço – vazio – de cigarros, ficou um pouco (...)”.
Hoje existem os currais dos fumantes.
Não fumantes entram se quiserem ficar um pouco.
Nos aviões,
Nos navios e nas repartições públicas.
Estou farto disto,
O fato é que fumam mesmo, enquanto no fundo, estamos todos sendo fumados.
O capitalismo bafora nossas almas nas ruas e no céu das cidades.
Somos expelidos pelos poros, pelos tubos e artérias de uma sociedade que fumega sem alma.
Mundo de Dante, onde o bicho não morre nem a fumaça ou o fogo consomem.
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