domingo, 16 de janeiro de 2011

UTOPIA


Os dias passam sorrateiros como passa o sangue pelas veias.
Os rios em mim deságuam uma cachoeira de silêncio.
A espera dói como dói a tristeza.
Habito a utopia do amor, portador do tempo que sangra calado.

Minha busca finda quando finda a luz do dia,
Quando os homens regressam para casa e as feras saem dos covis.
Sou da noite a espinha dorsal, equilibro as estrelas.
Fruto peco caído na estrada em que pés mexeriqueiros alinhavam sonhos.

Absorto, perco o olhar nas coisas que se repetem.
Onde andará a justiça? A clava forte dos que trilham o amor?
Sabe Deus! É melhor seguir em frente que a chuva é vinda.
Não posso esquecer-me de levar as amoras e as romãs; haverá fruto melhor?

De onde estou ouço cantar o grilo,
Enquanto o vento, sereno refresca o corpo.
A alma queima sem saber ao certo o que virá.
Assim, a poesia é terapia para o espírito que transcende o agora.

Um mórbido silêncio como flecha atravessa a noite.
Distraio-me com as recordações dos dias mais doces.
Se a mente como ave não possui ramos no futuro para pousar,
Assenta-se e se sustenta em galhos do passado, porque o presente é vórtice.

Acho que sentindo a mesma angústia Pessoa descreve-se em Tabacaria:
“(...) Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? Ser o que penso?
Mas penso tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! (...)”.

Estou cercado por livros velhos e novos.
Muitas palavras reféns de propósitos diversos.
Eu lê-las-ia todas, não fossem o tédio e a erupção vernácula que eclodem em mim.
Para que tantas palavras, se a que preciso não vem?

Durmam minhas pequenas que amanhã a alegria pedirá carona.
Sonhem com os mundos, desbravem a alma na conquista da ternura.
Desfrutem do pão que meu corpo já cansado nunca pode comer em paz.
Sejam eternas em mim, esmiúcem os caminhos que dão para a felicidade.

Sejam firmes como pedras lavradas,
Sejam tenras como as lãs,
Tenham sempre às mãos um ramalhete de esperança,
E no peito, um coração que despeja poemas de amor em latas de desejos.


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