Nos idos de 1989 floresceu no Brasil a banda de rock Mamonas Assassinas fazendo com que crianças, adolescentes e jovens experimentassem uma verdadeira explosão de ritmos que misturados à alegria e à irreverência deu contornos festivos à nação brasileira.
Quem não ouviu do Oiapoque ao Chuí a canção Brasília Amarela e não deu ao menos atenção ao que brincando diziam sob trompetes tocados a mexicana, os artistas da inesquecível banda? Não obstante, tamanha algazarra e toda a euforia chegaram ao fim na queda de um avião que os transportava para um show em Brasília em 1º de março de 1996. O Brasil chorou e a Brasília Amarela se fez ouvir pela nação inteira como num coro de despedida. A Brasília tornou-se verde-amarela.
Da minha parte eu senti muito visto que nutria um carinho especial por Dinho, o vocalista principal do grupo, por duas razões muito simples, ele era muito carismático e não negava sua baianidade, depois por sua família parecer muito humilde de coração o que me levou a orar por ele e seus amigos, a fim de que um dia usassem todo aquele talento para a glória de Deus.
Foi no auge da canção Brasília Amarela que eu viajei em uma Brasília azul que marcaria a minha vida. Uma Brasília azul era o que faltava na minha história. Era uma sexta-feira à tarde quando a buzina estridente tocou na minha porta. Uma senhora forte, sexagenária de espírito dócil, cheia de boas intenções, saiu de dentro dela e com certo ar de desespero pediu-me para que a acudisse na urgência de suas inquietações.
Sem que soubesse o destino tive que socorrê-la, caso contrário frustraria seus sentimentos de ovelha que espera prontidão absoluta do pastor. Naquela carruagem a amistosa senhora transportava bolos de puba e milho. Seu banco surrado era baixo, mas tão baixo que dela, pelo lado de fora só se avistava a cabeça.
Esbaforida tomou-me pelo braço e sem que eu pudesse sequer recusar, lançou-me para dentro da peça de museu e ali eu saberia ao pé da letra o que cantava a banda Mamonas Assassinas. Para minha mais profunda angústia, lá dentro da Brasília azul eu descobriria que somente a motorista possuía um acento digno. Ávido por me libertar daquela parafernália e sem poder dizer nada, uma vez que parece que pastor é uma raça de gente que não pode reclamar dos infortúnios causados pelas ovelhas, assentei-me num banco de madeira. Um tamborete na verdade. O cinto de segurança não era para proteger o corpo, mas para que o carona, feito Tarzan ficasse amarrado, pendurado e prestes a se enforcar.
Aquela coisa ambulante jamais causaria um sinistro, ela já era o sinistro em forma de lata velha. O horripilante desta história é que a Dona Ayrton, corria a dar de pau e eu orando em espírito, fechei os olhos e chamava por Deus. Não tinha quebra-molas que ela não pulasse nem buraco que não caísse. Tenho a impressão que Deus se ria naquele percurso das minhas 500 milhas no circuito de Indianápolis. Vendo-a de cima, pois eu estava num tripé de madeira parecendo um perneta, malmente eu via a rua. Minha cabeça batia no teto e a ferrugem caía em mim.
Suado, espavorido, cercado por bolos de toda sorte e atado ao cinto de segurança, aquela viajem parecia não ter fim, embora nem eu mesmo soubesse o fim da viagem. Depois de muito andar chegamos a uma casa grande, numa chácara onde depois do alívio da descida da minha corda-bamba eu passei saber, as suas reais intenções.
- Pastor! Avemaria como eu estou alegre! O senhor pode orar pelo meu mais novo investimento? – Indagou-me apontando para um velho forno a lenha onde num futuro não muito distante faria suas mais saborosas pizzas e de onde surgiram suas momentâneas invectivas como pizzaiola – tomara que este seja o feminino de pizzaiolo visto que pizeira pode ser o de pizeiro; seja como for era isso que ela pretendia ser.
Eu confesso que estava tão extenuado que mesmo orando pelo forno de lenha, lenhado eu pensava no retorno e pedia a Deus que me acudisse na minha via crucis. O retorno era a minha maior inquietação. Depois de abençoar o forno, de orar por mim mesmo, por ela e pela Brasília azul, segui para o lugar onde tudo começou.
Ai eu aprendi que ser pastor é um trabalho de risco, mas também que em terra de cego quem tem um olho, é rei.
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