terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Um Pequinês Ateu.


  
Olá meu caro leitor, aqui estou trazendo mais uma narrativa das aventuras de um jovem pastor que seguia a estrada da vida. Desta vez eu estava no bairro de Quixangá, no caminho da Chapada Diamantina, na Bahia.
Terra outrora habitada pelos índios Maracás do grupo dos Tapuias, hoje conhecida no mundo inteiro pelo plantio de viçosos abacaxis. A doçura do lugar evoca-se pela beleza de suas montanhas, pela candura de seu clima temperado nas estações e por um friozinho agradável no inverno.
A Segunda Igreja Batista estava lá, como os abacaxis que brotavam da terra, viçosa e doce. O pastor era meu amigo desde outros invernos e eu junto à sua família gozava de uma tenra amizade. Aquele lugar reunia as razões de eu estar extremamente feliz, eu podia rever velhos amigos, fazer o que mais amo que é pregar o evangelho e desfrutar o clima agradabilíssimo da região.
Das muitas vezes que ali estive nada se comparava ao que viveria ao lado do meu amigo, homem grave, sorridente, dono de um bigode esparramado na face e um olhar tenro e cheio de amor pela igreja. Conquanto estivesse feliz com a minha presença eu nunca o notara tão festivo como naqueles dias, mas havia uma névoa sombria de sutil aspecto como uma suave tristeza em seu semblante. Educado e sensível como sempre fora, pensava mais nos outros do que em si mesmo e seu amor era tão grande que sua ingenuidade o fazia parecer a uma figura dostoieviskiana.
Aguerrido e disposto como sempre fui não me recusei ao convite por ele feito, para irmos visitar uma senhora, membro da sua igreja, de modo que, no horário marcado seguimos para a minha mais hilariante desventura. Seguimos por umas ruas estreitas; era noite e o vento frio assoviava nas esquinas como menino chamando as aves.
Ao descermos do carro numa rua de casebres conjugados paramos à porta esperando que alguém respondesse às palmas que o meu amigo batia a fim de chamar a atenção dos moradores da casa. A luz da sala estava apagada, mas a da cozinha ainda acesa clareava o bastante para o morador da sala, esconder-se do mundo, vendo a tudo e a todos sem ser visto.
Com um sorriso amistoso no rosto um dos habitantes daquela casa nos recebeu gostoso e em seguida fomos levados ao local onde estava a senhora que fomos visitar. Assentada, taciturna, um olhar saindo da escuridão visto que a luz acabara por ser acesa, sua alma cansada dos flagelos da patologia que a fazia arrastar-se por longos anos – elefantíase, esse era o diagnóstico médico – além de feridas, manchas e caroços e bolhas. Eu nunca houvera estado numa situação daquela e sequer orado por um portador de tal mazela.
O pastor meu amigo, tomou a palavra, falou sobre o motivo da visita e reuniu as poucas pessoas em torno da irmã que, pelo que notei já nem se importava se seria unção com óleo, extrema unção imposição de mãos ou espargir de qualquer coisa. Ela queria era a cura, já que tantas vezes se fez orante à espera de um milagre. Depois de meia dúzia de palavras, da leitura de um texto bíblico e da afirmação da fé daquela senhora, o abençoado pastor tomou o vaso de óleo, derramou na minha mão e disse:
– O irmão Robério vai orar pela senhora e vai impor as mãos sobre suas feridas minha cara –, em silêncio, esta assentiu com um olhar e o balançar da cabeça entre expressões de dores e fadiga.
Eu confesso que fiquei pasmo com a situação, mas logo tomei força e fiz como ele havia designado.
O mais complicado para mim não fora orar, antes fora desatar o nós do constrangimento causado por aquele cachorro. Não me entenda tão rapidamente meu caro leitor, refiro-me ao cachorro que estava debaixo do sofá onde a senhora estava assentada.
Desinstalado do seu sossego, este ao ouvir os meus gritos fervorosos na oração dizendo: “enfermidade sai em nome de Jesus. Vai saindo! Saia agora!”. Rosnando partiu para cima de mim. Foi um desassossego.
Eu não sei por que ele ficou tão bravo comigo. Ladrando de forma altissonante, com os dentes postos para fora, esse cachorro acuou-me a mim e ao pastor que já estava longe às léguas, rindo da minha situação. Aquele pequinês infeliz, digo o cachorro, estava zangado e eu deduzo que por algumas possíveis razões: Primeiro, ou não entendia o português, língua que eu falava muito bem, segundo, ele estava estressado porque eu estava reeditando os seus traumas diários naquela casa, terceiro, ou porque para ele, eu não tinha o direito de naquele tom dar-lhe ordens dentro da sua casa e finalmente, porque eu era mais um que ali tentava consolar a sua dona tão amada.
O fato é que a oração foi transformada em corre-corre e eu apressado fugia do meu inimigo saído das sombras. Enquanto isso, o pastor meu amigo ria a valer de mim e da situação na qual eu estava. Entretanto, o que mais me alegrou foi o fato de ter arrancado um sorriso da senhora enferma que ria para se acabar da façanha do seu cãozinho de estimação.
Eu não sei se ela saiu curada do corpo, mas te asseguro que da alma ela foi, pois a deixei rindo a valer, enquanto eu saia desconcertado e vencido por um pequinês ateu, insolente, bruto e enfezado.         
Ouvia-se de longe aquela senhora gargalhando e do meu lado o meu amigo de bigode franzia-o tentando prender o riso que lhe escapava volta e meia.
Ai eu aprendi que há momentos nesta vida que quem ri por último, ri atrasado mesmo. Sorria mesmo atrasado, faz bem para a alma. Duro mesmo é não poder sorrir.  

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