quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Desilusão!





Assentado na fenda do tempo eu estou a tocar uma flauta.

Estou pendurado numa rede entre o passado e o futuro.

Ali onde o dia e a noite se abraçam e o olhar assiste o céu avermelhado.

Absorto, vejo os meus dias passarem lentamente como um silencioso afluente.

Para que as marés se as manhãs já não são mais as mesmas?

As manhãs da democracia quando sonhadas na ditadura eram mais palatáveis.

É na guerra que damos lugar aos sonhos.

A liberdade é valorizada na prisão.

Quando menino eu sonhava leve sobre a laje da casa onde eu morava.

Deitado ali, eu esquecia o meu corpo e como num transe hipnótico, eu adejava.

Hoje eu cresci; as brancas cãs me sobrevieram feito cardos e espinhos.

Meus sonhos são mais tímidos, mas não menos sedosos.

A batuta da minha razão parece reger a sinfonia do meu corpo.

Regerá as melodias da alma? Estas insistem como arpejos de flautas ainda doces.

Sinto-me flor das montanhas.

Minha sobriedade rompe abismos e goteja em cascatas que descem as escarpas.

Moro num país superficial e de superficialidades.

A verdade é de cera, não suporta o fogo.

Os engravatados são mendigos por dentro.

E ainda se encontra diamantes na pocilga.

Ainda mais se engana em nome de Deus.

Sem cara e coroa a fé não opera.

E o povo? Chapeuzinho vermelho à espera da degola na floresta.

E o lobo? Lobo não, lobos!

Estão por ai! Usam togas, terno e gravatas, vestes clericais.

Os lobos estão nos jornais, templos, revistas, TV, nas câmaras, gabinetes e
palacetes.

A alcatéia fez sua morada nos prédios públicos das cidades.

Uma matilha privada esgota-se na privataria da vida privada.

Quando nasci disseram que o homem foi à lua.

A lua continua ali sobre a minha cabeça e meus heróis já foram sepultados.

Gosto da lua porque resiste à história sem perder a candura.

A lua possui o luar e este, o meu olhar saudoso e inocente.

Minha geração bebeu o seu próprio sangue no banho de sangue dos anos idos.

Minha geração sorve as fezes de anos de repressão e miséria.

O bastão mudou de mãos, mas os ratos ainda correm.

Baratas e escorpiões resistem à bomba atômica.

O sonho de outrora, tornou-se a desgraça de agora.

Ligo a TV e logo avisto minha condenação.

Estou condenado a viver numa geração vazia de tudo.

Mentira, engodo, engano, trapaça, corrupção, roubo e mais roubo, é tudo o que
se vê.

Quem anuncia a verdade mente.

A mídia mente.

Políticos mentem.

Religiosos mentem.

A sociedade mente.

O povo mente.

Somente.

Já não há sementes. Só mentem!

Transgenia de uma moral insípida.

As vestes dos santos estão rotas.

Fiz 42 anos e me sinto ultrapassado num mundo sem esperança.

Os cantores da esperança se emudeceram estarrecidos:

os seus companheiros os traiu.

Capitalismo. Haverá coisa mais satânica? O diabo veste prata, prada e ouro.

Eles mataram os jardins e as escolas não passam de um curral onde cevam para o
sacrifício.

E economia dita os deuses e as regras, os partidos políticos: a desgraça em siglas e
cores.

Temo pelos meus filhos e pelas pessoas que amo!

Temo pelos drogados que na fuga do mundo se proveram da ânsia de felicidade:

é isso que são, temporária, fortuita e desgraçadamente felizes.

Essa felicidade os alija de tudo.

Os ratos e os gatos subsistem e já não comem mais queijo, mas bebem o sangue
do povo.

Minha geração não sai mais às ruas, assiste BBB e comenta feliz a devora do lixo.

Vivemos todos numa macro cracolândia e culpamos os drogados das ruas.

Essa geração está desprovida da verdade.

O templo da verdade habita fora daqui.

O mundo, seus governos, os partidos, as ONGs são tudo mentira.

E a verdade dos templos desabita a verdade do Cristo.

Sinto-me barco a deriva.

Apego-me à fé em Deus somente; minha semente.

Vou seguindo, posto que parar já não posso.

A felicidade é que daqui a cem anos, ainda estarão aqui a lua e as estrelas.

A despeito de a terra continuar.

Todos morreremos!

Realizem, locupletem-se, matem, mintam, faturem,

A porta estreita da sepultura exigirá a devolução.

A Porta é estreita para todos!

Por ela passarão apenas os humildes de espírito.

Estes herdarão a terra! Mas qual terra?

No mundo possível de injustiças, a justiça já não é possível.

Quero molhar meus pés nas águas do mar e afogar minhas mágoas.

A desilusão é pão que se come à mesa dos quarentões acima.

Faço parte de uma geração que espera o homem de ferro.

Um anticristo filisteu que enganará as nações com falsas promessas.

Os judeus se escondem atrás de um Cristo que há de vir.

Os cristãos, gente dividida e sem rumo, fala do Cristo que já veio, mas não o segue.

Muçulmanos matam e perseguem a ambos em vingança contida.

Os ateus desta geração fizeram pacto com o diabo.

A alma desta geração sorve o veneno da indiferença.

A fábrica mata uma população, mas eles dizem não ser verdade:

Santo Amaro da Purificação que o diga: chumbo, enxofre e ranger de dentes.

Eu prefiro poetizar antes que a morte me separe do mundo, ou me uma a ele de
uma vez.

Pelo menos não terei vendido a minha alma.

Corro o risco de lançar minhas pérolas aos porcos,

Mas acredito que como eu, ainda há quem se importe.

Eu continuo deitado sobre a laje, adejando! A realidade é dor aguda.

Minha alma sonha e daqui de cima, eu prefiro as flores!

A minha bandeira é o amor!

 


Poema e foto de Robério Jesus.

Nenhum comentário: