sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Pai, Uma Metáfora!






Há uma palavra que em mim é saudade.

Das muitas saudades geradas por tantas que me habitam.

A alma é habitação inequívoca das palavras que geram saudades.

O mundo é mágico quando a alma engravida-se da poesia.

Poesias são palavras metaforizando o mundo e as coisas.

As palavras estão por toda parte.

No mundo dos sentidos, quase tudo é metáfora e, portanto, linguagem.

Wittgenstein dizia que, “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”.

E ainda, “as fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo”.

Há uma palavra que lançou divisas nas fronteiras da minha alma: PAI!

Pai é o vocábulo mais complexo da minha existência.

Amiúde eu não sei definir se ausência ou se ternura.

Se pesar ou se leveza: ambiguidades de um ser em exílio.

Não o absorvo muito bem. Digeri-lo é uma arte.

Não sei dar-lhe um sentido que me faça sentido.

À bem da verdade, eu sei como é ser pai,

Mas não faço ideia do que é ter um, no sentido pleno da palavra.

Todo pai deveria somente existir e sê-lo, no seu sentido pleno.

Ser pai sem sentido é ser a antítese do sentido que se têm,

Quando se é pai com sentido.

As coisas com quem fazem sentido possuem um nome.

Os nomes são símbolos;

Signos que indicam a relação entre o nomeado e o ser que nomeia.

O meu pai tem um nome.

Chama-se Raymundo.

O seu nome é vasto e farto de antíteses.

No seu nome há mundos, anelos e imensidão.

Metáforas; feito casas velhas esquecidas nas bermas da estrada.

Famoso e eternizado na poesia de Drummond:

“Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração”.

Ragin-mund significa em germânico: poderoso protetor e sábio.

O meu pai é Ragin-mund.

Distraído, saiu pelo mundo fugindo para o seu vasto mundo.

Submundos meus costurados por barbantes.

 Lugares onde agruras, solidão e silêncio fazem do menino um homem.

Por onde andava Raymundo quando eu precisei de um pai?

Em que mundo? Por quais tormentas?

O meu protetor poderoso e sábio, não viu o meu mundo crescer.

Ele não estava lá quando eu nasci.

Ele não estava lá quando eu aprendi a soletrar as primeiras palavras.

Também não foi em seu mundo que eu dei os meus primeiros passos.

Passos dados no meu não tão vasto mundo.

Ele não estava lá quando eu aprendia sozinho a montar bicicleta,

Depois de muitas e desnecessárias quedas.

Ele não foi me buscar na escola, uma vez que para ela não me levou.

Não lhe falei da minha primeira aula.

Não lhe narrei minha primeira briga de rua.

Não empinou papagaio comigo.

Não correu na chuva.

Sequer lhe falei das flores e frutos roubados: travessuras lépidas.

Sequer me corrigiu.

Não me tomou pela mão.

Não me mostrou as estrelas, nem com ele vi o pôr-do-sol.

Não veio quando eu aprendia a nadar sobre um bambu na lagoa.

Não me ouviu cantar como uma ave canora a primeira canção.

Em seu mundo tão distante, seu Raymundo nem me ensinou a ler.

Ele não me contou estórias, nem me viu fazer desenhos esgarranchados no caderno.

Não me viu escrevinhar seu nome nas paredes, no escuro no natal.

Não pude lhe falar minhas angústias,

Todas sufocadas em interrogações sem respostas.

Sequer brincou de bola,

Nem jamais me fez barquinhos, chapéus ou aviõezinhos de papel.

Raymundo, vasto mundo no fundo de um poço sem fundo.

Fosso profundo que delineou meu mundo feito de rabiscos.

Às vezes, sinto-me garrafa com mensagem de amor, lançada mar afora.

Sem Raymundo eu aprendi a soerguer meus mundos.

Desraimundizado e só, eu organizei meu mundo:

hieróglifos de minha alma rupestre.   

Hoje eu cresci,

No meu mundo, Raymundo é ainda um quadro na parede.

Mundo para recordar e continuar desejando.

Plano de fundo sem o qual, o meu mundo se reduz a cinzas.

Transplantando minha filiação à paternidade divina e, somente ai, eu fiz-me inteiro.

Dei meu coração ao Pai Das Luzes e assim,

O meu tão singelo universo orbitou a paz.

Qual um vaso que se despedaça no terreiro, eu sei-me cheio de remendos.

Barro posto sobre a roda amassado, requentado e refeito o Oleiro me assistiu.

O Pai Nosso e Pai Divino, esse sim, me deu mão,

Colocou-me em seu destino e restaurou meu coração.

O Grandioso Pai é meu Pai, um Grande Herói.

Refez-me e fui refeito.

Refazendo-me, santifiquei em mim o seu nome: o meu sobrenome Jesus.

Deu-me vida e alegria por sua morte e por sua cruz.

Hoje a ideia que tenho de pai em minha alma é a de cumplicidade.

Às vezes, a alma não compreende a semântica.

Ela ignora vocábulos e despreza metáforas vazias de emoções do passado.

A alma e o amor são paradoxais, como paradoxal é o dizer de Unamuno:

“Tem que se sair de casa para melhor querê-la e apreciá-la; os que se encerram em casa é mais para molestar aos seus e por falta de valor para lutar com os de fora”.

É que para a alma, um pai ausente pode ser mais benfazejo,

Que um pai presente, possuidor de mesquinhas emoções.

É da emoção que sobrevive a alma.

A alma é pura emoção. Dela se embriaga todas as manhãs!

Ela não conhece outra linguagem, signo ou código.

A semântica da alma é o amor.

Entre a alma e o intelecto há um abismo.

Nos abismos do ser, Deus se faz Ponte.

Atravessei os meus abismos, por causa do Eterno Pontífice.

Deus é Pai e como pai que é, é Fazedor de pontes.

Ser pai é ser abrigo. É aprender a arte de fazer-se ponte entre as coisas e os desejos.

Entre o mundo e os sonhos.

Entre o efêmero, o passageiro e o atemporal.

As pontes existem para ligar mundos relativamente distantes.

Quando o pai é ponte o amor é passagem.

Quando o pai é ponte o afeto é porta.

Em sendo e fazendo pontes pelo amor,

O mundo é anelo de quem sonha jardins.

O pai verdadeiro é hiato entre mundos conflitantes e necessários:

Fantasia-realidade.

Razão-emoção.

Fé-emoção-intelecto.

Passado-presente-futuro.

Ser-dever-conhecer.

Educar-acompanhar-e, simplesmente ser: amigo.

Brincar-amar-e brincar de novo.

Ser pai é ser semântica do amor.

Metáfora que explica e exemplifica o Deus Grandioso.

Desejo latente que toda criança transporta em si: ter um Pai Grandioso!

Imagem e projeção dos que precisam de um herói para dar-se a mão.

Para algumas crianças neste mundo vasto e cheio de Raimundos,

O Deus Grandioso, Ele mesmo, e não outro é o Construtor de poentes.

Engenheiro e Arquiteto da alma que anseia transpor os abismos da insignificância.

Para que as pontes? Para as razões do, para que um pai? 

De onde vêm os abismos? Das ausências e abandodnos. 

Os abismos da alma surgem de hecatombes acachapantes da vida e da existência.

Tsunamis de emoções que fendem as encostas e as fissuras do ser inconcluso.

Miguel Unamuno disse ainda que:

“A dor é a substância da vida e a raiz da personalidade,

Pois somente sofrendo se é uma pessoa”.

Deus sempre foi, é e continuará sendo para mim o meu Allahu Akbar!

Um Pai Grandioso!


Poema de Robério Jesus.

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