A poeira se assentou no fundo do pote.
Já se pode beber da água que a chuva fez brotar.
A poeira se assentou na estrada e os olhos podem ver da linha o fim.
Nas estradas de asfalto já não se faz poeira em tubo ou névoa.
É fina a areia que afeta os olhos, que esconde a lágrima e perfila a face.
O deserto habita numa lágrima.
Às vezes a solidão se esconde num sorriso.
A poeira da estrada tem a cor da agitada terra onde passam o boi, o homem e o seu cavalo.
A carruagem da esperança que transporta os sonhos deixa marcas sobre as pedras.
Terra ferida esvoaça o pó.
Terra fendida na chuva enlameia os pés que sonham.
Coração fendido e ferido é terra que ninguém pisa.
É virgem, posto que seja ingênuo.
Há momentos que não há poeira na estrada do coração é só saudade.
Já não sopra o vento. Canta o grilo, cala a cigarra, geme o garrote.
A pragana não desliza com seu som rasteiro as bermas do olhar que verte as ilusões.
É silêncio transformado em mais silêncio ainda.
Casa abandonada no tempo, sem pés, sem sons de crianças brincando e sem vida.
Ruínas de uma história que valeu a pena, mas não resistiu ao fogo.
Estou aqui vestido de silêncio na curva da estrada.
Que som eu escuto agora? O som dos raios de um sol que desidrata e mata.
Estala em mim num crepitar constante o amor que sorve a solidão.
O que virá depois da curva eu não sei dizer.
Para onde levará esta estrada? Quem souber morre!
Mas atrás dela já não há mais nada que me dê sentido para retornar.
Por que retorna o vento?
Por que retornam os rios para o mar?
Por que retorna o homem à infância no anoitecer da vida?
Retornam, pois da vida em flor já esgotaram o amor, a dor e a razão de ser.
Indo, descobriram tudo que é vazio, de todos os vazios que esvaziam a tudo.
Sou um homem sem raízes, de origens frágeis como as plumas.
Minha dimensão indígena, herança filogenética ainda quer a liberdade.
Para que a liberdade se o mundo é cela onde cavalga o preso?
O quebranto em mim é banto.
Alegria feita gente! Corpo devorado na eucaristia.
Essa áurea afro-indígena me afugenta o sossego e me refaz a guerra em terra de desassossego.
Sou maluco, mameluco, mestiço e malcriado.
Da estrada só me resta, a curva.
Da curva só me resta a tangente.
A alegria brilha; qual pingente formoseia o rosto.
Feito lantejoulas e purpurina que iluminam o tosco.
Minha face enrubescida denuncia o quanto percorri.
A estrada é ingrata. O mundo é morte quando a alma é dócil.
Sobrevive o mais forte nessa lei de selva a vida que requer ferocidade.
O que revela a estrada no virar da noite? Não sei.
Eu só parei para pensar se vale a pena prosseguir numa estrada sem caminhos.
Eu só parei porque depois da curva eu sei, já não há nada novo.
Velhos fardos transportados por aqueles que mentindo esgotaram os mundos.
O que viram? Nada substancialmente novo.
O que verão? Nada essencialmente límpido.
Os caminhos terminam quando os pés não reconhecem mais o amor.
Os olhos impedidos de ver além da curva senta o corpo à sombra e sente.
Quando isso acontece só resta olhar para o céu. O amor habita entre as estrelas!
Quando faltam caminhos na terra as estrelas guiam-nos por caminhos e sonhos.
Na curva da estrada eu parei, mas insisto em fazer mapas nas constelações do chapéu.
É noite. A poeira dorme e minha alma espera o sol e a um amanhecer florido.
Se florido não vier, amanhecerei depois da curva; preciso regressar ao oceano de onde vim.
Como um rio, vou fazendo a minha estrada entre abismos.
É caminhando que se faz o caminho.
Se não há caminhos na alma, não haverá estradas para os pés.
Quem vem de atravessar desertos não pode temer da estrada a curva.
A poeira apaga as veredas, mas não encobre o desejo.
Há sempre uma curva para todos os caminhos.
O mundo e os sonhos são feitos de curvas e estradas sinuosas.
Há sempre uma picada para quem deseja alcançar destinos.
Poema de Robério Jesus
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