quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Uma Doença Chamada Saudade!





A nosologia estuda as características das doenças; a etiologia busca as suas causas, enquanto, a nosografia estuda como nomeá-las. Doença é uma coisa muito ruim em qualquer uma dessas três instâncias. A ciência avança com o intuito de controlar, erradicar e tratar as patologias presentes no corpo humano. O dramático das doenças é que elas se objetivam em paralisar, afetar, debilitar e destruir o corpo que adoece.

Conforme declara Paula Louredo, “A palavra doença vem do termo em latim dolentia que significa “sentir ou causar dor, afligir-se, amargurar-se”. Várias são as definições para esse termo, mas especialistas consideram as doenças como manifestações patológicas que se apresentam em nosso organismo. Elas estão sempre associadas a sintomas específicos, levando o indivíduo que as apresenta a se privar de prazeres físicos, emocionais e mentais”.

É no corpo que elas se instalam e contra ele que operam. As doenças prenunciam a morte do e para o corpo. A doença é uma forma de lembrança para o corpo de que o seu fim se avizinha. De que, mais cedo ou mais tarde, é para lá que iremos todos os mortais, para a finitude. A doença não é um fim, é um meio. Em seu texto, Remédio Para a Morte, Rubem Alves disse que, “Quando não admitimos a morte na sala de visitas ela nos invade pela porta da cozinha, aloja-se silenciosamente no corpo e ali faz o seu trabalho de ansiedade, medo e raiva”.

A doença nos prepara e prepara a família para o óbito. Ela serve de alerta, alicia a lembrança acerca da nossa limitação física e às vezes, molda a nossa alma qualitativamente, quebra o orgulho humano e de certo modo, nos ensina e faz-nos depender do outro, razão de ser da nossa vida comunitária e social. A doença de certamente, nos devolve o sentido da vida e nos faz aterrissar da suposta pretensão de divindade, para nos colocar na nossa mais densa e fugaz humanidade. Na doença, mudamos a cor, a postura, o cheiro e o olhar. Nós nos tornamos mais reflexivos, flexíveis e menos afoitos.

Obviamente, há no corpo humano outras limitações que não são doenças. A velhice, as deficiências congênitas e mesmo aquelas decorrentes das amputações da vida. “Na velhice, sabemos que a morte está chegando. E isso nos torna mais sábios e nos faz degustar cada momento com uma alegria única. Quem sabe que está vivendo a despedida olha para vida com olhos mais ternos...”, disse Rubem Alves.

Eu adoeci muitas vezes. Não sei como ainda estou vivo. Atravessei desertos infindos. Eu nasci de sete meses, raquítico e cheio de ameaças de morte. Dizem que gato tem sete vidas, mas eu parecia ter vida de sete gatos. Essas fases da minha vida eu enfrentei com a ajuda de Deus e a da minha mãe que sozinha suportou a toda sorte de infortúnios que a vida nos reservara. Eu tive caxumba (papeira), catapora e até esporão. Escoliose, viroses de A a Z.

Eu tive renite, bursite, faringite e laringite. Gripes, calos, dor de dente, inchaço da gengiva, dor de cabeça, de ouvido, do olho. Eu tive tersol, lordose, verminose, tontura, até de tonteira eu sofri. enfrentei diabetes, diarreia, infecção intestinal e urinária. Fui duas vezes dengado ou dengoso, ou seja, fui ficado pelo mosquito da dengue, o famigerado Aedes Aegypti.

Eu tive ainda, bronquite, leucemia, gengivite, febre alta, baixa e média; hemorroida, obesidade mórbida, ansiedade, estado deprimente agudo, paixonite aguda, dores na cervical, tosse, pneumonia e problemas renais. Isto tudo foi como um batismo de fogo e como se não bastasse ainda tive gastrite, duodenite, úlcera, impinge, cárie, feridas no corpo, tendinite, anemia, apneia, conjuntivite, colesterol alto, espirro, hipertensão e outras doenças cardíacas. Além de estafa, estresse, amnésia, fadiga, sinusite, unha encravada, frieira e até chulé, eu sofri de preguiça, cólera e a mais grave de todas, a falta de grana.

Graças a Deus eu não tive essas novas doenças que têm nome de letra, como: hepatite B, C, meningite C ou as que parecem ter nome de gente, como a Influenza, H1N1 ou SIDA, HIV. Por essas e outras razões eu posso dizer que minha vida é um milagre. No entanto, a mais grave de todas as doenças que eu sofri e ainda sofro e por ser crônica, aguda e incurável, é a dor da saudade. Contra essa o remédio é o tempo. A saudade dói o corpo inteiro. Paralisa-nos e nos arremessa ao leito. Só sofre da dor da saudade quem já foi feliz um dia. A saudade é dor da ausência de instantes felizes. Incurável!

O que ameniza a saudade é o encontro. Saudade é querer da vida os instantes eternos. instantes insinuantes e idos. Eternos porque belos; doridos porque fugazes; singelos porque destilam leveza, clareza e serenidade. Eu padeço de um mau chamado saudade. O meu inconsciente está grávido de saudades. Lembranças minhas indeléveis, indizíveis, inomináveis e lusco-foscas em mim, como reflexos de um espelho empoeirado no qual me vejo através da obscuridade.

Neurose é saudade, é desejo contido, calado, recalcado, gritando e querendo vir a lume. Neurose é paixão recolhida. Neurose é corpo doído de alma que anela dias que se foram. Não é do agora que vive o desejo da saudade. O desejo da saudade sobrevive de tempos fugidios; é coração maltrapilho vivendo das ruínas de memórias doces; flor colhida nos escombros de um passado que se fez poeira. Sim, não tenho medo de dizer, eu sofro de um mau chamado saudade, desejo do ontem, e do meu lugar, me devora essa tal esperança.         



Robério Jesus.



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