Adão é aquele ser que nasce inteiro.
Sem mãe, sem pai e sem infância, só sabia o presente e o futuro.
Nada soube do passado, posto que não teve história.
Adão era bipolar. Ele não conhecia do passado as teias nem o mar.
Tripolares somos nós que habitamos um mundo bicolor e disforme.
Quem pode confiar num homem sem passado?
O passado é nossa árvore do bem e do mal.
Tesouro de onde tiramos coisas boas e ruins.
O passado é fruto degustado sobre a árvore.
Comemos do seu fruto e vivemos.
Comemos do seu fruto ou morremos.
O homem é a sua história.
O homem é o seu passado.
O inconsciente é esse iceberg que nos rege em tudo.
Tudo que amamos.
Tudo que escolhemos.
Todo que pensamos.
Tudo que sentimos.
Tudo que fazemos.
A imaginação.
Tudo! Essa caixa preta esconde o que fomos e versa o que seremos a todo tempo.
Adão tinha inconsciente, visto que não teve infância?
Ele não foi bebê.
Adão não sugou seios.
Adão não teve colo.
Não adormeceu nos braços de alguém.
Adão não foi ninado.
Ele não brincou de bola,
Ele não brincou de gude,
Ele não brincou de roda,
Nem core de patinete.
Eu não queria ser Adão.
Essa figura adulta que nada queria além de trabalhar.
Ele não teve amiguinho.
Jamais montou bicicleta.
Sequer brincou com suas próprias fezes e urina no quintal.
Foi carente de avós para desatar seus nós.
Não viveu a adolescência e sequer empinou pipas.
Compreendo que com Deus ele ia ver se por os sóis.
Mas no resto do seu dia tinha que viver consigo a sós.
A solidão era o seu pão de cada dia.
Adão era belo, eu acho. O que é a beleza sem ter quem a saboreie?
Ser sozinho e feio é tédio demais para uma vida.
O que pensava Adão quando estava só?
Não há lembranças sem passado?
Saudade tampouco existe sem as doces traquinagens.
A saudade é filha do tempo.
Ele não pediu pra ser marido.
Tampouco aprendeu ser pai.
Casou sem aprender o que em si significava o amor.
Não havia escola que o deformasse.
Ele não sentiu a carapaça acolhedora de um útero.
Tampouco mergulho no som acústico de um líquido amniótico.
Que equilíbrio pode ter alguém que nessas águas não nadou?
Adão dormiu solteiro e amanheceu casado; com uma costela a menos.
Despido de pudor, vestiu-se de poder.
A tudo nomeava da tardinha ao anoitecer.
Ao ver rara beleza tornou-se logo um poeta:
“Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; ela será chamada
varoa, porquanto do varão foi tomada. Portanto, deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne”.
E viu Deus que era bom...
Eu insisto. Ser Adão implica em risco: ser do sinete a perfeição.
O que sabia esse rabisco da centelha criação?
Adão nada sabia e sua mulher notou.
Apressada foi à árvore e com a cobra até falou.
Para ter entendimento é preciso desejar.
Para ser igual a Deus basta abrir o paladar.
Eu não queria ser Adão: a mulher não o respeita.
Come o fruto proibido e para ele a cama ajeita.
Enganada ela foi, mas Adão fez sua escolha.
Escondendo-se entre as figueiras pois temeu sua nudez:
Seria figo e não maçã o fruto devorado?
Eu não queria ouvir a voz que indagava por Adão?
Mas seu eu comesse o fruto ficava de prontidão.
Eu não diria como ele, engando o Criador,
A mulher que tu me deste trouxe a morte e me enterrou.
Eu lhe diria a verdade: fui eu mesmo que comi.
Entre Eva e a solidão a primeira eu escolhi.
O casamento aconteceu no Éden, mas a família nasceu do lado de fora.
Adão é filho do paraíso e vai criar filhos entre cardos e espinhos.
É fora do paraíso que Adão vai aprender o sentido da paternidade.
A vida é assim, ser adulto no paraíso e velhice no deserto.
O que pode sentir um homem sem infância?
Como ressignificar seu mundo?
Mesmo não sendo Adão, somos filhos de Adão.
O fruto que ele comeu, deitou suas raízes em nós.
O bem e o mal é condição na nossa natureza morta.
Seria isso arte?
Será isso ser igual a Deus?
O desejo de conhecer a beleza! Esse é o enigma do Paraíso.
E a nossa eterna desventura!
Poema de Robério Jesus.
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