Eu venho de muitos quintais.
A minha alma aprendeu felicidade nos quintais da vida.
Eu brinquei só e acompanhado, fiz da ampulheta do tempo um brinquedo em cuja
areia, eu deslizei meus sonhos.
Ora era chuva de areia, ora era mergulho ou andar sobre as montanhas.
Quem habita a ampulheta do tempo se descobre sem querer, gênio de uma velha
lâmpada esquecida na areia.
Meus quintais foram desertos que atravessei incólume sob o sol da liberdade.
Quando criança eu não sabia ver a arte.
Fazer artes não é a mesma coisa que compreendê-la, vê-la ou apreciá-la.
Eu ainda não compunha as canções que perfilaram os meus sonhos.
Tampouco escrevia meus poemas, feitos ao sabor de minha pena de aprendiz de
feiticeiro.
Os meus olhos estavam nublados para tudo que era amor, beleza ou poesia.
Todavia, logo se derramou em mim, a chuva da ternura, do olhar faceiro e as
gotas da beleza orvalharam o meu ser insípido.
Ainda me lembro daquele menino pintor com sua tela estendida ante os olhos.
Tintas coloridas sobre uma mesa e os vários pincéis, espátulas e palhetas a
disposição das mãos.
Eu observei os seus primeiros rabiscos; traços postos numa tela que traduzia o seu
olhar.
Notei como misturava as cores: a disposição de cada uma delas.
O verde para as flores e campos.
O azul para o céu e o mar.
O amarelo sobre o vermelho das flores sobre os muros de um casario que escondia
a igrejinha mais além.
Cada tom na tela indicava como a sua alma interpretava o mundo ao seu redor.
Era comum ver aquele menino, parado por horas a fio, ante a sua obra de arte e
os seus olhos procurando imperfeições para dar a perfeição àquilo que só a alma
sabia enxergar.
Vendo-o ver imperfeições à luz do olhar iluminado pela perfeição, eu aprendi a ver
a perfeição à luz das minhas imperfeições.
Aldo é nome do menino pintor com quem aprendi a enxergar.
Com ele eu aprendi ver as flores, as casas, os muros toscos de quintais diversos.
Na amizade eu pude enxergar o fruto de outras saudades suas e minhas
vanescendo pelo tempo.
Eu notava quando ele, entre tintas e telas se escondia e escondia o menino que
sofria de uma alma sonhadora. Nele, em mim e em nós, se estampavam na tela do
olhar as intensas dores vindas da realidade.
A leveza das mãos, a candura do olhar, a doçura da sensibilidade e a arte final era
a gratificação da vida.
O desenho, o esboço, as telas perdidas e as refeitas tudo se inseria numa ânsia de
viver.
O perfume das flores orbitando no cheiro das tintas e alma adejando em sorrisos
quando tudo ali findava.
A beleza ganhava forma, tom, corpo e alma em suas mãos e em suas pinceladas
esquecia o tempo.
Eu nunca aprendi a pintar com pincéis, mas na alma ainda transporto um desejo
surreal.
Eu sou um pintor encubado em mim mesmo.
Eu amo o impressionismo de uma tela de beleza rara como imagem num espelho;
Cubismos de ser e arte ainda por surgir.
Se nos pincéis eu não tive a sorte de me inscrever, deixei-me levar por canetas,
papéis e lápis.
É assim que eu pinto minhas telas.
Desse modo, eu misturo tintas coloridas de amor, beleza e simplicidade.
Eu dou sabor, tom e cor ao mundo que vejo, velejo e viajo.
Eu crio imagens, desenho ruas, rabisco muros frondosos, faço traços nas paredes e
construo a minha alma/tela em versos e poesias.
Meu ateliê é o mundo. Meus rabiscos, traços e borrões se dão na prosa e nos
versos que pintando vou, enquanto caminho pela vida.
Em minha canção eu erijo a mim mesmo em autorretrato, mas reconstruo mundos.
Eu pinto o sete e desenho um oito e os outros.
Minha poesia é autorretrato. Imagem de mim mesmo, posto que, me traduz, para
os olhos que me veem.
Minha poesia é tela inteira, colorida, cheia de amor e vida.
Minha poesia é arte descrita em palavras, escrita na pedra do tempo.
Escrevo-a com as tintas do meu sangue e erijo jardins de flores e belezas para os
que passam sem pressa.
Poema de Robério Jesus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário