quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Pixotes

"Portugal me é terra alheia,
aqui mareiam os meus olhos,
versos de mim na areia do mar, do amor que restou em mim;
meu país é minha casa, meu torrão natal, lugar onde não sou estrangeiro,
sou brasileiro nato, fui menino maroto, garoto pobre na terra do sol,
fui pivete sem ser bandido, pixote sem ser trombadinha no sertão nordestino.

Terra que define o ser tão nordestino.
Ah! que saudade do lado de lá!
As aves que aqui gorjeiam são as que restaram nas minhas vívidas lembranças de lá,
cá habitam outras aves, outros rios por onde se navegar.

Espinho é terra que fere, que fere as cordas da saudade,
enquanto renasce a canção,
aqui me sinto poeta de naus que para lá já não despertam as marés,
nem transportam negros escravos nas galés;

sim, aqui me sinto meio bugre, meio mestiço,

meio afro, meio órfão, meio tímido, no meio do mundo,
me sinto só, mesmo sendo amado,
me sinto um pássaro longe do seu ninho, longe de sua prole;
sinto que não é o meu fim nesse fim de mundo, nesse mundo sem fim.

No fundo, existe em mim uma estranha sensação,
a de que nasci numa terra que não valoriza seus filhos;
todos aqui do além mar têm uma pátria mãe,
mas sinto-me órfão da minha.

O Brasil é uma pátria que nos expele ainda no útero,
Somos órfãos nessa pátria que se diz uma mãe gentil.
Desse modo, muitos brasis nascem e morrem e mim agora e sempre,
Terra abrasadora, onde meninos choram e velhos morrem nas filas de hospitais.

Portugal me parece um lugar digno,
mas sinto que a cada passo,
em cada centímetro, piso no sangue dos meus irmãos,
aquele à custo de suas vidas erigiram esse templo de tamanha riqueza,
mas o notável, é que sente-se na alma do povo sua garra pelo torrão natal.

Aqui meu senhor,
Ordem e Progresso não está escrito na bandeira,
mas no coração da gente que faz melhor o seu próprio ninho.

Dizem que Deus é brasileiro, se o é, ele é mulato e usa gibão de couro.

Assim adormece em mim a poesia lavrada na pedra de engaste das horas,
e meus sonhos mesclados na cor de ambar não passam de mero algodão-doce,
na mão de meninos que vêm da escola,
correndo nas ruas de ontem,
sem nomes,
sem faces,
apenas sombras,
fazendo algazarras ensurdecedoras e chutando latas.

Pixotes,

donos do mundo e da liberdade”.

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